Aconteceu assim
Adão, o primeiro dedo-duro da história da humanidade (“foi a Eva, Senhor”), não segurou a onda quando teve de encarar a verdade diante de Deus: comera do fruto proibido que Eva lhe oferecera (ela suspirando fundo e revirando os olhos deve ter pensado naquele momento: “essa costela vai me custar caro”) e ambos agora, expulsos de paraíso, teriam de pagar por isso com o suor do rosto, as dores do parto etc. etc.
Saíram com uma folha de parreira na frente, outra atrás.
Segundo o relato bíblico, começava aí a história da humanidade e o quadro não se mostraria nada promissor quando, com apenas quatro habitantes, já houve o primeiro assassinato.
Deus, lá de cima, deve ter pensado: “uh, oh, o que eu criei?”. E se viu obrigado a intervir. Pôs um sinal na testa de Caim para que ninguém o molestasse e assim ele pôde seguir pelo mundo onde, supõe-se, deve ter encontrado outros seres, ainda que isso não conste nas Escrituras.
O que consta é que a partir desse momento Deus não poupou a sua criação de todo o tipo de testes. Inundações, pragas, idiomas estrangeiros, sacrifício de primogênito, teve de tudo. E a verdade é que, ainda que aos trancos e barrancos, a humanidade sobreviveu.
Deus devia olhar lá de cima com muita curiosidade para essas incansáveis e surpreendentes formiguinhas e a forma quase mágica que elas tinham encontrado para superar todos os obstáculos: umas iam ajudando as outras; em meio aos seus próprios desencontros, elas iam se entendendo e se protegendo mutuamente.
À ordem primeva do “Crescei e multiplicai-vos”, elas haviam incorporado um sentimento quase divino de, para além dos laços de sangue, não hesitarem em arriscar a própria vida para salvar outras vidas.=
Elas tinham descoberto a amizade.
E com isso, se quisessem, poderiam reencontrar o caminho do paraíso.
Liane dos Santos