Sobre Senhoras do Santíssimo Feminino
Não sou muito boa com as explicações. Me confundo. Escapo como pipa a enroscar a rabiola em nuvens. Encaracolo o pensamento e embaralho o fio da meada. Portanto, não saberia descrever meu novo livro, Senhoras do Santíssimo Feminino, com precisão cirúrgica (aliás, literária). Segue um fio de rabiola da pipa/texto que consegui empinar sobre ele:
Talvez por saberem o quanto é difícil retirar as nódoas dos vidros, elas não apareceram nos das minhas janelas. Preferiram as vias do inconsciente e das sincronicidades junguianas. Mas a despeito dos recursos que utilizaram, a verdade é que chegaram. Em bando. Como um cortejo de mulheres em busca de uma liquidação que valha a pena. Chegaram em brilhos, com o mesmo sol ofuscante que um dia banhou os olhos de um índio lá pelas bandas do México. Não me pediram nada nem revelaram segredos quanto ao destino da humanidade. Me disseram que só queriam conversar e mais nada.
Acostumada com as assombrações que teimam em me visitar desde menina, não me assustei nem achei estranho. Afinal, que diferença haveria entre o fantasma de minha bisavó Luiza e a aparição de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro? Se muitos encontraram refúgio sob o manto da Virgem, sob as saias negras de Luiza muitas crianças escaparam das palmadas dos pais.
Eliminada a hipótese de qualquer diferença, recebi as Senhoras (e o seu séquito de santas) com a mesma intimidade que um dia recebi Dona Lua (e o seu séquito de deusas) de vó Vitalina e os orixás de Vera, a doce cozinheira da minha infância.
Entediadas com as pompas que os mortais lhes reservam quando com elas querem falar, as Senhoras respiraram aliviadas quando se viram em meio a um bando de mulheres a tagarelar na cozinha. O riso, antes aprisionado por um contorno sutil de imagem, explodiu solto, livre e sem compromissos. Os véus foram retirados e deixados nos encostos das cadeiras. As mãos, dormentes pela incômoda posição de eterna prece, soltaram-se ávidas, à procura de um naco de pão ou de alguma guloseima. Os braços, antes enrijecidos na intenção de um abraço impossibilitado pelo gesso, descobriram os desenhos dos gestos e o calor do toque. Enfim, agora estavam livres para ser somente mulheres. Mas como dizia Vitalina, "mulheres são mães dos milagres"...
Marcia Frazão