A ÁGUA E A COR

   Tudo estava diferente, as cores eram outras. Cores molhadas - quase úmidas - ainda não lavadas. Na trilha da cor molhado sem cor eu colori meus pés de chão.  A água não lavou a cor. Meus passos lavaram o chão.

    Eram cores abordadas por água birrenta - desobediente -  que não anda e nem deita. Água de espetáculo com hora pra acabar. Não autografa, só acena. Não lava, só molha.  Economiza-se a imatura e não compreende quando deve molhar ou aceitar-se molhada. Egoísta por definição. Tola em auto-afirmação. Inda não consegue enxergar-se água pra cumprir suas obrigações de lavadeira e sua aptidão de água. Água não se molhou, contudo molhou a cor. 

    A cor não bebeu a água. A cor molhou-se e mudou de cor. As pedras eram as mesmas que dormiram sob a lua de primavera. Pedra que é pedra é sempre pedra e tem cor de pedra. Cada qual com sua cor. A pedra não mudou de cor, mudou de temperatura e está velha (como nunca).

    As árvores não mudaram de cor, só de tom. Folhas secas e gotas que molham e não lavam. Gotas que suplicam evaporar pra não desobedecer as ordens do sol. As folhas do chão tem a mesma cor das dos pés. Caídas ou em galhos: secas.

    O sol tinha cor! Eu senti o sol prescrevendo calor com exatidão e descaso. Engana-se, o sol não tomou conhecimento da covardia da água, porque sol sabe ser sempre Sol e conhece bem seus desígnios. O sol esquenta,
aquece, queima e ilumina. Só sol! O sol seca a cor molhada pra que cores sempre mudem de cor.

    Um sol artista. Todo artista trabalha cores em poesia, prosa e tinta. E pode misturá-las a seu bel-prazer. O artista constrói e destrói e não tem culpa por fazê-lo. O sol não tem culpa por ser artista. O sol não pode ser o
responsável pelo fim, só pelo começo de tudo.

    A poeira dissimulou com medo de que seus dias de nuvem colorida tivessem chegado ao fim e camuflou-se de terra enterrada. No entanto água não lavou a poeira. A poeira não pereceu, só mudou de cor.

    Retornei com cor. Uma cor diferente da que saí. Um vermelho sem filtro, um terra-terra com cheiro de banhado.

    Meu molhado não cala covarde.
    Berra um molhado lavado,
    que flui temperado
    e me deu cor.
    Que não é d'água,
    mas de suor.

André Jerico