O beijo que me deram trazia dentro um pranto, um toldo verde, argúcias. O beijo que me deram fez-se permanência, astuta enzima por dentro da boca. Cuspo fora o beijo que me deram. Talvez ainda reste algum tempo de espera, algum tempo para ficar diante do espelho sonâmbulo. Tenho a boca macerada pelo beijo que me deram. Tenho a memória massacrada também: primeiro a mão espinhando a cintura, depois o calor, depois a boca dizendo-se água e vazando sobre mim. Depois a solidão crivada.
Sou um homem triste com um beijo entravado, entrevedo, na mucosa.
Rubens da Cunha