SILÊNCIO

            Para Camila S. P. Marques

     Tenho me calado.
     O silêncio é reação contra a tirania da ação. Vivo de silêncios. E instantes. Somos silêncio. Sofro meus silêncios. E sonho. Não vivo de compreensões. Compreender é morrer sem paisagem. Vivo de silêncios.
     E tomo grandes goles de café.
     As janelas estão bem fechadas. A vizinha dá banho em sua filha. O cachorro se enrola no cobertor. A vizinha canta uma música. Mas só consigo ouvir seu silêncio. O silêncio da vizinha sangra, sozinho, réstias de parte do sol. Como se fosse pedaços de espelhos espalhados no assoalho. A vizinha não sabe que hoje é quarta-feira. Ela cozinha cotidianos que ardem incoerências.
     Semana passada os dias eram frios. E outonavam mistérios e insultos. Semana passada chovia fragmentos de uma tragédia escrita. O asfalto era magro. Os carros sequestravam respeitos. Pela manhã, não havia água. Pela manhã, as horas dormiam em greve. As ruas mendigavam desassossegos. Havia o silêncio dos ônibus. Havia o silêncio dos assalariados em depressões. O tempo caminhava em irrelevância. É hora do almoço.
     Atrás da porta o cachorro late. A vizinha reclama do penteado da filha. A vizinha tem o cabelo encaracolado e a filha também. Pessoas conversam no corredor. O cachorro cheira. E ergue as orelhas que parecem folhas de papel enrugado. As conversas circulam pelo olho da fechadura. As pessoas pisam escadas sem personalidade. As pessoas não se lembram dos acontecimentos da semana passada.
     Escuto seus silêncios. E me calo.
    A vizinha e sua filha estão sentadas no sofá diante da televisão. O cachorro volta a dormir. A vizinha e sua filha esperam pelo noticiário. A vizinha e sua filha não escutam silêncios. E esqueceram dos acontecimentos da semana passada. Elas se calam.

Diego Ramires Bittencourt