A BOLA
    
     Aos sete anos, Tonico ganhou do pai um par de chuteiras e uma bola de capotão. Afinal, já era hora do garoto gostar de futebol. Sem saber como começar, sentou-se no chão e se pôs a contar da vida de moleque do interior, de peões e bolas de gude, pipas e peladas, do timinho que “tinha até jogo de camisa” e do sonho de jogar em um time grande, falou da passagem pelo juvenil do XV de Piracicaba: ficara no banco de reservas num jogo contra o Santos de Pelé! Tonico não parecia entender a importância do jogo.

     Mudou de tática: foi ao gol e pediu para o menino chutar umas bolas, mas ele não tinha muita coordenação. Tentou ainda dar umas explicações de como posicionar o pé de apoio, da terminação do chute — não houve jeito.

     A surpresa foi quando, aos 10 anos, Tonico entrou em casa afobado procurando pela bola. O pai, feliz, saiu logo atrás e presenciou a cena do filho sendo aclamado ao entrar em campo. E, de longe, viu o fraco desempenho do filho com a bola nos pés, mas a sua determinação em não mais jogar no gol: “Se tiver que jogar no gol, vou embora... com minha bola”. Ele e a bola ficaram.

     A bola foi logo substituída por outra e outras em cada natal ou aniversário.

     No colégio, sem a sua bola, era diferente e Tonico ficou de fora do time da 5ª A. Mas ele queria jogar e jogou... pela 5ª E – isso depois de negociar com o professor e até o diretor da escola. Mas o que pareceria alegria, trouxe alguns problemas: a 5ª E bateu a 5ª A, sua classe, por 6 x 0, com dois gols seus. Quase apanhou na saída. A pendenga só foi resolvida quando convenceu uns amigos do colegial a “interferir”... em troca de uma bola novinha.

     O pai foi assistir a final. Torcia, gritava:

     — Vai! Chuta! Volta! Isso! Não!

     Foi um desastre. Perderam feio. Entreolharam-se no final do jogo e nunca mais falaram de futebol.

     O pai, aqui ou ali, ouvia dizer que o menino jogava bem, mas nada dizia.

     A única vez que pensou novamente em interferir na vida do filho foi quando soube que Tonico, durante o cursinho, disputava o campeonato amador da cidade. Achava que o menino deveria estudar e não perder tempo com “aquela bobagem”. Mas, como se prometera, nada disse.

     Quando Tonico disse ao pai que haviam sido campeões, ouviu:

     — E o vestibular? Quando é?

     A resposta veio em março:

     — Pai, entrei em Agronomia na ESALQ de Piracicaba.
    
     — USP! Parabéns. – disse, guardando a emoção.

     A grande surpresa veio meses depois, quando o pai recebe uma ligação de um velho amigo de futebol:

     — Tonhão, vem pra Pira hoje. O XV joga com o Santos e o Tonico vai jogar. Lembra? XV e Santos...

     Tinha que parar com aquilo e foi. Torcia quieto. Iria embora sem anunciar sua presença em campo. Foi um belo jogo: o XV ganhou e Tonico fez um dos gols.

     Não resistiu e desceu ao vestiário. Lá, olha pro Tonico sem saber o que dizer e ouve:

     — Pai, fica com a camisa do XV. Quero estudar. Futebol, daqui pra frente, vai ser só pra diversão.

     E o pai, em um longo abraço, diz:

     — Filho, o que você decidir tá bem decidido. Vou pôr junto àquelas chuteiras. Obrigado.

Antonio Fais