Helena

                   “Enviar uma carta é um bom meio de ir a algum lugar sem mover nada a não ser o coração.”
                    Phyllis Theroux


Mais um Natal se aproxima e é comum muitas pessoas simplesmente não comemorarem a data. Alguns deixam de fazê-lo por princípios religiosos, por não comungarem das práticas do Cristianismo. Outros, porque esquecem-se do significado da ocasião, convertendo-a em justificativa para a mera troca de presentes. Há ainda aqueles para os quais o dia não é festivo, porque traz consigo a lembrança da perda de pessoas amadas.

Para mim, a noite de 24 de dezembro simbolizava a reunião de meus pais, irmãs e outros poucos familiares para compartilhar uma refeição que minha mãe preparava com carinho sem igual. Lembro-me do arroz com passas, do pernil, do tênder e do lombo, além de saladas diversas e uma grande variedade de frutas.

  A mesa era preparada com esmero. Uma toalha nova com belas estampas recobria o tampo de vidro para receber os pratos, copos e talheres. E minha mãe, depois de finalizados todos os preparativos, vestia sempre uma roupa leve como verão e bela como ela para receber os convidados.

Minha mãe teve que nos deixar numa manhã fria, cinzenta e chuvosa de um novembro. Desde então, não houve mais uma “Noite Feliz” em família para ser apreciada. Anos depois, partiu também meu pai.

Tempos atrás, na antevéspera do Natal, recebi um telefonema surpreendente e agradável. A ligação foi parar na secretária eletrônica e trazia uma mensagem de Dona Helena, mãe de meu amigo Marcelo. Foram apenas dois minutos de pura sinfonia!

Frequentei a casa de Marcelo em minha adolescência, quando principiava no ensino médio. Éramos de classes sociais distintas e morávamos geograficamente bastante distantes, mas isso nunca foi empecilho para que nos tornássemos grandes amigos. Numa época em que a internet ainda engatinhava, nossa diversão passava por tiros com espingarda de chumbo no telhado do vizinho para despertá-lo na calada da noite, ver e comentar revistas eróticas adquiridas com grande constrangimento e dificuldade nas bancas de jornal, um trago de uísque sem gelo para selar nossa amizade.

Em nossos encontros, um momento muito especial eram as refeições que fazíamos juntos. À mesa eram preparados assentos para mim, meu amigo, seus pais, duas irmãs e uma última cadeira que permanecia reservada ao irmão Alexandre, que em tenra idade havia partido em decorrência de um trágico acidente automobilístico. Eu fitava aquela cadeira num misto de surpresa e inquietude, incompreensão e admiração.

Mais de uma década depois, a doutrina espiritualista trouxe-me algumas respostas, e a leitura de um livro que abordava a perda de um filho sob a ótica dos pais levou-me a escrever uma carta para Dona Helena. Naquela carta, além de manifestar todo meu carinho por sua família, eu lhe dizia que jamais poderia imaginar a amplitude da dor de sua perda, mas que agora a incompreensão inexistia e apenas a admiração permanecia. Foi para comentar esta carta que Helena me telefonou naquele dia.

O resto dessa história fala sobre um encontro que há anos não ocorria. Na mesma mesa em que fazíamos aquelas refeições, conversamos demoradamente.  Um filho sem uma mãe, uma mãe sem um filho. Entre lágrimas e sorrisos, pudemos nos presentear , oferecendo um ao outro um pouco do Natal que um dia tivemos.

Tom Coelho