Prêmio Coca-Cola
(Divulgado pela Internet)
Ausente do Recife durante o mês de janeiro, só por acaso tomei
conhecimento de que, como autor da adaptação teatral do folheto
de João Martins de Athayde "A História do Amor de Romeu e
Julieta", eu fora um dos indicados para o
Prêmio Coca-Cola de Teatro de 1999.
Ao saber da notícia, telefonei imediatamente a Diana Moura, uma
amiga que é jornalista, dizendo-lhe que recusava a indicação
e que, por seu intermédio, queria pedir que retirassem meu nome
da lista: recuso-me sistematicamente a receber qualquer prêmio instituído
por multinacionais. Mas o telefone de Diana Moura estava ligado a uma secretária
eletrônica; e, como não sei se ela tomou conhecimento do recado
que gravei, resolvi escrever aqui, reiterando o
que disse e explicando os motivos que me levam a tal atitude.
Todas as pessoas que me conhecem sabem disso: uma vez pedi que retirassem
meu nome da lista do Prêmio Shell, outra vez recusei o Prêmio
Sharp. Sobre a Sharp, disseram-me depois que seu capital só é estrangeiro parcialmente, ou
coisa que o valha. Fosse como fosse, bastava-me a suspeita: achei,
como acho, que não devo nem quero ver meu nome ligado a prêmios
com tais nomes.
Ora, se isso é verdade da Sharp e da Shell, é mais verdade
ainda da Coca-Cola, empresa que pode ser considerada emblemática
do capitalismo americano, símbolo da hegemonia econômica dos
Estados Unidos e arma principal, em rádios e televisões,
da ridícula "arte de massas" com a qual os americanos pretendem
e estão conseguindo vulgarizar, corromper e descaracterizar a cultura
dos outros países.
Entenda-se: não estou, com isso, incorrendo em falta de fraternidade
com outros artistas que pensam diferentemente ou que, por qualquer circunstância,
não estão em condições de recusar. É
que, no meu caso, como disse no primeiro artigo que aqui publiquei, acho
que, como escritor, assumi uma "missão", um compromisso que me força
a ser radical para dizer o que os outros talvez até queiram, mas
não podem dizer. Peço a todos que me entendam e não
fiquem magoados, porque não os estou censurando. Volto-me somente
contra aqueles que, sem necessidade, tomam, por exemplo, a atitude de colocar
a Coca-Cola em cores positivas nas letras de suas composições
e até se vangloriam de tal ato como de uma façanha, uma vitória
pessoal obtida por eles. Volto-me contra outros que, também sem
nenhuma necessidade, não se acanharam de compor refrões musicais
para a Coca-Cola. Em ambos os casos, estavam cometendo a tradição
de Judas e de Fausto, em troca da alma ou de 30 dinheiros.
Assim, que nenhuma de tais empresas ouse mais gestos como esses a meu respeito;
porque, em tais casos, considero a inclusão de meu nome entre os
agraciados como um insulto e um desaforo.
Ariano Suassuna
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