Depoimento sobre
                             Minha Relação com o computador e a Internet
 
              Tudo me parecia muito estranho há três anos atrás. Estava deprimida e realmente infeliz e pela primeira vez na minha vida sentia, pelo menos naqueles dias de incerteza que a vida não tinha sentido. Tinha perdido e acompanhado a trajetória de sofrimento e dor de meu irmão com um câncer fatal no pulmão, provavelmente provocado por cigarros em demasia. E ele tinha morrido há poucos dias.
            Antes disso também falecera uma mulher que eu muito amava que era psicóloga e amiga presa a uma cadeira de rodas com artrite perniciosa e que não conseguira ultrapassar a repentina morte da filha. E ainda anteriormente uma grande e queridíssima cunhada, que eu admirava, uma pessoa realmente especial também se fora lastimavelmente entre dores e sofrimentos incalculáveis. Isso tudo em um prazo de quatro dolorosos meses.
            Não conseguia fazer nada senão ter conhecimento da minha própria impotência ou impossibilidade total de realizar o que fosse. Vira-os sofrer sem conseguir sequer rezar direito tão grande a extensão da amargura que se abrira em meu peito, como uma enorme e incurável ferida.
 Nem as atividades normais e prazerosas que eu fizera durante toda a minha vida como ler muito e escrever mais ainda eu conseguia executar. Nos momentos de maior sofrimento encontrava sempre nisso um tranqüilizante lento, mas progressivo. Quando adolescente, perdera meu irmãozinho com cinco anos, e pedira para escrever naquele momento antes de qualquer atitude porque sem isso não conseguiria nem levantar.
 Mas há três anos atrás nada me tirava da letargia. Tinha medo de ficar doida de tanta aflição, dessa dor misteriosa que é a saudade irremediável de alguém muito querido que não podemos mais ver. Perguntava-me mil vezes porque acontecia tanta coisa nessa existência e por que razão tinha que nascer.
            Visualizava seguidamente meu irmão no calvário que enfrentara e imaginava o seu pavor da escuridão. Tivera que usar cadeira de rodas num espaço de dois meses depois que adoecera porque não tinha forças para andar. Morrera três meses depois de diagnosticado o mal terrível. E me perguntava qual o motivo dessas imposições dramáticas que as pessoas enfrentam indubitavelmente.
            Via depois de todas essas perdas as pessoas à minha volta que também estavam passando pela mesma agonia e tinha muito medo que minha mãe não conseguisse vencer esses acontecimentos dolorosos que cruzara seu caminho. Só conseguia enxergar as densas nuvens que se formavam cada vez mais volumosas e me perguntava como poderia ser ajudada, muito embora tivesse tido a minha volta solidariedade e carinho. Mas só convivia com o desespero.
            Pensava na grande amiga, tão maravilhosa que exercia sua profissão de psicóloga dependente de uma cadeira de rodas e, no entanto sempre sorrindo e  consciente de sua vocação, trabalhando dez horas por dia. E que morrera sofrendo. Três entes queridos haviam ido para a definitiva e incompreensível viagem.   Fora-se um depois do outro. Lastimavelmente.
            Lembrava-me do meu irmão com um nó apertado na garganta e via nitidamente a nossa infância, os dias felizes que eu não dera valor, as brigas, alegrias, risos, rusgas, mágoas, brincadeiras, corridas rumo ao crescimento físico e interior, os outros irmãos, todos unidos, cada gesto ou palavra eu relembrava. E nem escrever tinha me aliviado. Quando segurava a caneta lágrimas desciam torrencialmente e, no entanto fazer isso sempre fora motivo de alívio ou felicidade para mim. Desde os sete anos de idade.
            Ninguém sabia o que fazer para tirar-me daquele pranto confuso e crescente e aliviar a saudade e a amargura lastimável que me rondava como um enorme dragão.

                                                                2ª PARTE

            Nunca tinha querido aceitar o computador para escrever meus variados e intermináveis trabalhos. Costumava dizer que minha inspiração sempre esteve ligada com a caneta diretamente no papel e não abria mão disso. Até com a máquina de escrever, vez por outra me revoltava. Tinha uma enorme coleção de canetas tinteiro da qual me orgulhava. Mas não queria o computador. Na minha casa ele existia, é claro e meu marido diversas vezes quis me convencer de como minha vida seria mais simples  se o aceitasse. Eu tentava me aproximar e perdia a paciência implorando por uma caneta. Não podia viver sem escrever, porém não aceitava a modernidade nesse aspecto. Todos estranhavam esse fato porque sempre gostei de inovações e tinha mania de tecnologia e modernismos. Era realmente estranho.
 E foi quando eu passava por toda aquela crise fatal desesperante que meu marido comprou um computador para dar-me de presente. Olhei-o apática, perguntando porque o adquirira.
             — Esse é só seu, ele me respondeu. Poderá treinar com calma.
             — Não estou com paciência para entrar em nenhum curso.
             — E não precisará. Virá um instrutor aqui. Para ajudá-la a dominar o seu uso. Você poderá treinar na hora que quiser e logo estará familiarizada. Sei o quanto aprecia a tecnologia. E por que não aquela que mais lhe dará conforto? Economizará um enorme tempo e não terá tanto trabalho com seus arquivos. Com a internet suas pesquisas também ficarão mais fáceis, extremamente menos complicadas.
            Fico imaginando como ele foi paciente. Porque na verdade eu não estava respondendo positivamente a nenhum estímulo. E sempre fora uma pessoa para cima. Sem depressões e tristezas anormais.Com muito bom humor, apreciando enormemente a vida e seus componentes.
           O rapaz veio instalar dois dias depois e eu apenas olhava como se realmente nada tivesse haver comigo. A pessoa que me iniciaria no computador já estava disponível em certos dias, mas antes disso uma noite resolvi abrir e sentar-me em frente ao famoso presente. Enjoei-me logo, mas no dia seguinte resolvi fazer a mesma coisa.
           No fim de uma semana durante a qual manejei-o sozinha conseguia concentrar-me e progressivamente entusiasmei-me. Aprendi rapidamente, conectei-me com a Internet por intermédio de um provedor e fiquei aí realmente fascinada. Em dois meses não vivia sem computador e internet. Foi uma paixão tão intensa e avassaladora que nesses meses aprendi tudo sobre eles e embora tivesse uma pessoa me orientando ou mais precisamente, respondendo às minhas dúvidas era justamente nas horas que estava sozinha que mais conseguia avançar. Entendi que a lógica era o principal e mais forte caminho a ser usado pelos  usuários desse sensacional invento..
            Comecei a ler tudo que se referia ao assunto e procurar a ajuda no INICIAR cada vez com mais assiduidade. Recuperei-me da depressão mais rápido que o faria com um terapeuta. O sofrimento e dor dessas perdas jamais passarão e tenho meus dias de lembranças intensas e diariamente rememoro as figuras queridas que perdi. Mas o computador foi a maior maravilha que aconteceu em minha vida em termos de trabalho. Acabei um romance que estava em fase final, publiquei-o e havia editado um outro livro em co-autoria isso tudo depois do computador.
 Não sou fanática porque não é da minha índole e ele não substitui outros aspectos da minha vida. Não gosto de jogos e chats de bate-papo. Não faz o meu gênero. Mas simplesmente adoro o meu computador e não saberia atualmente viver sem ambos: Computador e internet. Consigo atualmente realizar em dois dias o que antes fazia em quase um mês. Tudo se me afigura fácil. Ninguém o manipula porque acho que a minha organização não seria a mesma. Só eu o manejo, mesmo porque estou sempre ocupada, trabalhando.  E isso, com realização, aprendizado e cura de um estado psicológico catastrófico se deu em dois meses.
           Muita gente da área de psicologia há de dizer que os problemas não acabam assim. E não acabaram. Sei o que digo porque fui criada entre psicólogos e psiquiatras em minha família e reafirmo que claro que ele não faz curas, mas no meu caso ele trouxe a concentração e a esperança fazendo com que eu me lembrasse que ainda estava viva. Simplesmente me fascinou de uma maneira útil. Mas evidentemente que os sofrimentos continuam. Apenas consegui enfrentá-los de novo. E isso tudo porque escrever é para mim um vício. Só que não traz síndromes de abstinências e seqüelas. Amo o computador e a internet e os defendo em qualquer oportunidade.
            Hoje tenho o meu próprio site através do qual exponho meus trabalhos e tenho contacto com pessoas que se interessam por literatura em geral.
            Continuo a dizer o quanto é impressionante essa relação. Até no intercâmbio positivo e útil entre as pessoas. Na compreensão das necessidades do nosso próximo e da realização do ser humano. No entendimento da complexidade da personalidade humana. E no conhecimento cultural cada vez maior em um mundo mais amplo. Não é uma viagem exploradora, mas na verdade uma viagem explorando o potencial sedutor e benéfico. Além das atividades normais e corriqueiras de um material  de trabalho bem organizado.
           Como sou pesquisadora e me dedico também a isso o mundo que visualizo está ao meu alcance ao toque dos meus dedos. É fascinação e encantamento unido ao trabalho e à produção do próprio ritmo de vida. Continuo afirmando que não resolveu a dor nem minorou a saudade constante e o choque dos meses vividos somente fez com que eu administrasse a minha vida apesar das perdas e sofrimentos. Com o tratamento psicológico ou psiquiátrico eles também não seriam eliminados apenas aprenderia a viver com as dores irremediáveis. Não poderia mesmo assim erradicá-los.  Não se eliminam amarguras tão profundas e incomensuráveis principalmente quando envolve perdas e efetivas saudades dolorosas. Convive-se com elas. Aprende-se a chorar, enxugar as lágrimas e reiniciar sempre.  Aprende-se também a sofrer amadurecendo positivamente. Vamos dizer que o computador tenha sido a mola mestra que me impulsionou a reagir. E senti além disso, atração, fascinação e utilidade. Eles me trouxeram de volta a uma vida útil contando com as suas potencialidades. Trabalho e deslumbramento num mundo de simples alcance. 


                                                               Vânia Moreira Diniz
   
 

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