Poesia sonora... O que é poesia sonora? Era o que nos perguntávamos
em meio aos corredores da PUC, pois acabávamos de chegar ao Programa
de Pós-Graduação em Comunicação e Semiótica
e lá nos era oferecido este curso.
O professor é legal! (alguns diziam); é um gato!; ele
é novinho!; nossa, com essa idade e já dando aulas na pós-graduação?..
Foi assim que eu conheci Philadelpho Menezes — o Phila — como era chamado
por todos lá no Programa.
O primeiro curso que eu fiz com ele bastou para que eu me apaixonasse
pelas teorias da Estética, tanto é que a minha dissertação
— tendo ele como orientador — versou sobre o Sublime.
Convivi com o Phila de 1993 até 1997, ano da minha defesa. Nesse
meio tempo, aprendi muito do que hoje sou em minha vida acadêmico-profissional.
Antes de tudo, ele era um estudioso. E quanta facilidade para expor
suas idéias, não sem requinte! Possuía um italiano
impecável, pois residiu na Itália por um ano, durante seu
doutoramento.
O Phila tinha uma história interessante, que ele sempre contava
prá gente: antes de ingressar na área da Comunicação
ele bacharelou-se em Direito, pela São Francisco — fato inusitado
este; o de um advogado formado pela São Francisco optar pela carreira
de professor universitário — e sua irmã, que primeiramente
graduou-se em Comunicação, hoje é uma advogada.
No entanto, parecia que seu coração de poeta falara mais
alto. E ele desempenhou brilhantemente seu papel na Academia. Sua carreira
era invejável! Ele não poupava esforços em promover
palestras, encontros, apresentações e até mesmo levantar
fundos junto aos órgãos do governo para a divulgação
de sua tão cara Poesia Sonora, objeto de seu estudo.
Interessante notarmos que o Phila possuía uma enorme bagagem
teórica, erudita e, ao mesmo tempo, era um aficcionado pelas novas
tecnologias. Tanto é que em 1996, formamos um grupo experimental
de Poesia Sonora. Ele idealizou e montou o Laboratório de Linguagens
Sonoras na PUC/SP, de qualidade nada inferior aos internacionais. E foi
de lá que saiu o primeiro CD de “Poesia Sonora: do fonetismo às
poéticas contemporâneas da voz”, com o apoio da FAPESP. Tudo
idealizado por ele.
Foi uma experiência inesquecível, apesar das broncas e
exigências do nosso “professor”... Posso afirmar que foi um dos melhores
períodos de minha vida, pois lá eu conseguia sorrir e esquecer
que meu filho, na época com três anos de idade, fazia quimioterapia,
(hoje, com nove anos, totalmente curado!) Acho mesmo que, indiretamente,
o Phila me dava forças e não sabia...
Fizemos apresentações performáticas junto com
poetas estrangeiros, como o Enzo Minarelli, importante poeta sonoro italiano.
Era um sonho, uma festa! Mas eu sabia que não seria prá sempre,
pois nada nesta vida é para sempre...
Em 1997 defendi minha tese e desde então nossos projetos foram
se distanciando por circunstâncias convencionais da vida. Continuei
na PUC, ainda em 1998, partindo depois para a USP, pois não mais
havia a concessão de bolsas de estudo. O grupo se desfez, cada um
tomou seu rumo, mas de longe eu acompanhava sua carreira, sempre em ascensão,
juntamente com a Poesia Sonora.
A última vez que o vi, foi na USP em maio deste ano, quando
falava, numa palestra, sobre poesia hipermídia. Ele estava de azul,
mais bonito do que costumeiramente. Sim, ele era um homem bonito, que o
digam as alunas que por ele suspiravam pelos corredores da PUC...
Depois de várias tentativas em vão, consegui ouvir o
CD em minha casa, após um mês de sua morte... Impressionante,
lá já estavam cravados sinais de sua partida. A vida nos
fala a todo momento, nós é que não sabemos ouvi-la.
O CD é composto de 17 poemas sonoros: o segundo chama-se “Lamento
fúnebre” de Hugo Ball; o quarto, “Nuvens”, do mesmo autor; o quinto,
“Trova-Trovão”, da Cristina Marques, minha amiga; o sexto, “Pai”,
de minha autoria, o sétimo, “Sopro”, também meu; e os do
próprio Philadelpho: “Time”, “Futuro”, “Paradiso/Inferno/Paradiso”
e “Sentido”.
O CD, em meio a toda aquela novidade da aparelhagem tecnológica,
das brincadeiras que fazíamos e das cervejas que tomávamos,
falava de lamento, de medo, inconformismo, solidão, futuro — inferno
ou paraíso? e principalmente de sentido. Qual o sentido da morte?
Qual o sentido da vida? Já dizia Maiakovsky: a poesia toda é
uma viagem rumo ao desconhecido. Talvez um dia todos nós, poetas
que somos, amantes dos sons e das letras, nos encontremos com aqueles que
já partiram para sabermos a resposta: qual o sentido do desconhecido?
Claudia Pastore