O amor já
não existe dentro de mim, vivo como uma besta humana, sem forças
para gritar, sem desejos para dividir. Caminho a passos lentos e disformes,
já não sei diferenciar o sol da lua, nem tampouco o bem do
mal.
Sou, com toda
certeza, um cidadão mal resolvido dentro desta sociedade sórdida
e nefasta. E, por falar em sociedade, creio que é ela que nos trás
tantos prejuízos, pois somos reconhecidos por um "dado" código
chamado Cadastro de Pessoas Físicas, um número mais importante
que o nosso próprio nome. Acho até que os meus dígitos
verificadores deveriam ser 24 ou quem sabe 69, pois que são mais
significativos do que José, Maria, Pedro ou Ana. Quando eu morrer,
vão dizer: morreu o número (... ... ... ..).
É importante
salientar que quando isto acontecer, o meu número não deverá
ficar vago, pois senão o computador não vai reconhecer o
buraco negro que vai ser "gerado" na fita magnética.
Mas e os meus
sentimentos, a minha dor, os meus conhecimentos, a matéria podre
que carrego dia e noite, pra onde vão? Você sabe?
Não precisa
responder, não perca o seu tempo com questões menores.
Mas o que estou
tentando lhe falar é sobres as eleições municipais
de primeiro de outubro; eu era um dos concorrentes ao cargo de Vereador,
em uma cidade do interior de Minas Gerais, acho até que lá
é o coração do Estado, pois a cada voto que
pedia, a cada passo que dava, a cada casa que entrava, meu coração
batia mais e mais forte. Não porque eu achasse que os votos pudessem
ser contados, mas pelo fato de estar entrando em um mundo novo, pelo menos,
para mim. Um mundo distante da minha realidade habitual.
Aqui cabe uma observação
no mínimo curiosa; a maioria dos eleitores prometem: pode contar
com o meu voto. Dizem com a cara mais lavada que se possa imaginar.
Não existe
neste Mundo a palavra sinceridade nem tampouco a palavra mágica
Ética. É cada qual com o seu cada um, mas o importante é
que participei do processo, talvez não tivesse uma outra oportunidade
tão rica para conhecer as pessoas como elas são por dentro
e por fora. Creio que se você puder em algum momento de sua vida
entrar nesse Mundo; que entre. Pois é um mundo onde as cores são
outras, onde as pessoas têm valores diferenciados, mas o valor intrínseco
da questão é sempre o mesmo.
Nessa andança
vi um quadro dantesco, pelo menos para mim. Um quadro, onde a moldura era
uma "casa" de lona preta que escondia em seu interior duas pessoas de cor
negra, vivendo como se fossem dois seres humanos. No primeiro momento não
dei conta de mim; logo em seguida, os meus olhos respiraram com profundidade
a realidade que nos norteava. Não consegui pronunciar a palavra
voto, nem outra qualquer. Apenas os nossos olhos cruzaram formando um triângulo
pelo qual Pitágoras desenvolveu sua teoria. No centro da casa, como
móvel mais importante, reinava uma cama de casal, desleixada e sem
cuidados. Este pequeno detalhe, fez-me entender o significado de tudo.
Mas o importante não era o fato em si, mas, sim, a condição
de pobreza absoluta que a sociedade proporcionara àquelas duas criaturas
que não ousaram pedir qualquer coisa, como é o costume em
época eleitoral, mesmo porque estavam alheias aos acontecimentos
vigentes do nosso mundo, e tudo lhes pareciam normal.
Mas uma coisa
é certa, perdi as eleições, mas o meu coração
presenciou uma das maiores aberrações da sociedade, uma aberração
que mora a poucos quilômetros do Distrito mais importante deste país
sem ação. Assim caminha a humanidade, a passos largos e certeiros,
rumo ao desconhecido. Sem clemência com quem quer que seja, brancos
ou negros.
A dor da derrota
nunca foi uma coisa boa, mas a constatação do deplorável
há olhos vistos, foi no mínimo entristecedor eu, pelo menos,
tive um grande consolo, foi quando uma amiga me disse: "você é
grande demais para cargo tão pequeno". Está foi, sem dúvida,
a minha vitória, mas aqueles dois cidadãos marginalizados
pela condição humana, com certeza, viverão para sempre
perdidos no nosso mundo e, sem que eu queira, escondidos na minha memória
com sendo apenas dois códigos: (...... ... ..) e (... ... ... ..).
Pedro Cardoso