quase final do que vivi no ano 2000

Neste ano, pela primeira vez, pude apreciar o sabor de uma jaca. Também no ano 2000 fui à Europa pela primeira vez. Também li e escrevi muito mais. Através de um precioso livro do fotógrafo, escritor, jornalista e pintor húngaro (naturalizado francês) Gilberte Brassaï conheci com mais nitidez a genialidade, a megalomania e a grande sorte do artista espanhol Pablo Picasso. Algumas vezes, deprimido, me senti como aqueles personagens decadentes de Tennessee Williams. Estive gravemente enfermo e reagi, sobrevivendo. Naveguei menos na internet. Propiciamos o curto namoro da nossa cadela Zaragoza com Thor, do qual nasceram sete pimpolhos, dos quais seis sobreviveram  vigorosamente. Também tive meus curtos namoros e prazeres. Afinal, continuo vivo. Recebemos, pelo segundo ano consecutivo, as visitas das tias Ruth e Julieta. Também nos visitaram minha mãe Sylvia, minha irmã Margarete e meu irmão Carlos Antonio. Ganhamos e perdemos amizades. Decepcionei-me com várias pessoas ou surpreendi-me com outras. Sentimos mais calor e vimos um mundo mais turbulento e instável. Muita gente reclamando dos governantes e se fechando cada vez mais em torno dos seus interesses exclusivamente particulares ou pessoais.

O ano 2000 me pareceu quase um ano apocalíptico. Os telejornais nos apresentaram um panorama cada vez mais caótico, perigoso e desanimador. Parece até que têm razão aqueles teóricos que vêem no catastrofismo da imprensa uma estratégia da mídi para que as massas usem-na como um guarda-chuva informativo/protetor contra as ameaças do mundo contemporâneo. Apesar de tantas tragédias e medos pairando ao longo de todo o ano, com todas as crises que nele eclodiram, os institutos de pesquisa anunciaram, no fim do ano, pelos mesmos telejornais, que setenta por cento da população brasileira está satisfeita com a evolução de suas vidas particulares e encara com otimismo a chegada do ano 2001. Alguma contradição?

            Em meio a toda esta turbulência do ano 2000, com adolescentes ruidosos e mal educados berrando em mesas de restaurantes e lanchonetes de shopping-centers, no meio deste barulho todo (de motos, carros e aviões), começamos a resgatar as teses do médico Silva Mello (ex- membro da Academia Brasileira de Letras) em defesa do sossego e do repouso como fatores imprescindíveis à saúde pública e individual. Num mundo tão ruidoso como o nosso, o sossego e a paz são cada vez mais utopias ansiadas por um número crescente de pessoas.

            O cada vez menos existente silêncio da placidez rural passa a ser um dos novos sonhos dos homens civilizados das grandes cidades brasileiras, da Europa e de algumas cidades norte-americanas. O excesso de luzes e apelos publicitários na televisão, na internet, em fachadas de lojas, nos cinemas e nos nossos meios de transporte nos faz sentir meramente consumidores, exaustivamente bombardeados e massacrados pelos cercos publicitários. Talvez esteja chegando, com ritmo de urgência, a necessidade da intervenção re-ordenadora de Júpiter no mundo dominado por nós, humanos ou ex- humanos. Está desnorteante e sufocante. Saturante. Credo!...

Ainda neste mítico ano 2000 as corporações acadêmicas lembraram-se dos centenários da primeira obra de Sigmund Freud e do antropólogo pernambucano Gilberto Freyre. O governo e escassos grupos de trabalho cultural tentaram rememorar e discutir os quinhentos anos da chegada dos primeiros portugueses a estas nossas terras e latitudes. Na realidade, desde os expansionismos macedônico, egípcio, persa, romano ou fenício da Antiguidade; desde as primeiras empresas colonialistas portuguesas, espanholas, francesas, inglesas e holandesas embrionava-se a presente questão da globalização, da mundialização, da internacionalização dos nossos horizontes. Camus era argelino mas se notabilizou como intelectual francês. Sêneca era espanhol mas se tornou célebre enquanto filósofo romano. E assim por diante....  Parece até que a História não avançará se não avançar o processo de planetarização dos sonhos e da consciência sobre os desígnios e os destinos humanos neste nosso mundo. (22 de Dezembro de 2000 – dia do meu quadragésimo nono aniversário).

 José Luiz Dutra de Toledo.


 

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