Os anos setenta corriam céleres, estávamos
já perto da metade e eu, jovem diretor da Labre¹, Secção
Estadual do Rio de Janeiro, estava me preparando com o Conselheiro Antenor
Luz (PY1CMS) para ir à reunião do Conselho Federal da Entidade,
que se encontrava, de dois em dois anos, em Brasília, para deliberar
sobre os destinos do Radioamadorismo e da Labre. Estas reuniões
aproximavam diretores das seccionais de todo o Brasil, e a idéia
de encontrar-me com colegas com quem falava diariamente pela radioemissão,
mas não os via há anos, me agradava muito. Isto sem falar
nas memoráveis reuniões, onde se debatiam os problemas das
comunicações dos radioamadores no Brasil.
O dia do embarque chegou breve e um avião
da Varig que decolara no Rio de Janeiro, aterrizava, horas depois, no aeroporto
de Brasília. Uma breve corrida de táxi e estávamos
na recepção do Hotel Nacional,confirmando as reservas que
a eficiente secretaria Mary havia feito dias antes.
Depois de alojados, descemos para o salão
de recepção do hotel para cumprimentar alguns colegas que
já haviam chegado. Foi uma alegria rever estes amigos, diretores
das regionais da Labre Ceará, Rio Grande do Norte, Amazonas etc.
Durante esta conversação, fomos abordados por um rapazinho
que nos entregou alguns cartões de visita e apontou para fora do
hotel. Ao examinar o cartão, percebi que se tratava de uma mulher
e que oferecia serviços de companhia para senhores de fino trato!
Resolvi ir ver as "meninas", mas o rapazote nos alertou que elas tinham
restrições aos senhores cariocas. Isto me instigou mais a
ir lá fora saber que diabos os meus colegas do Rio de Janeiro haviam
aprontado com as "moças". Saímos, eu e mais dois colegas
para investigar.
Do lado de lá, três belas mulheres
sorriam com "olhares de aves que viram minhoca" quando nos aproximávamos.
Estavam bem vestidas e dirigi-me àquela cuja aparência física
mais me agradou. Na verdade, só pretendia conversar...
Apresentei-me, delicadamente, omitindo o fato de
ter vindo do Rio de Janeiro. Tratava-se de uma mulher morena de estatura
mediana, olhos esverdeados que chamavam muito a atenção com
belos seios que oprimiam o modesto sultiã como se, prisioneiros,
desejassem escapar. Ela me disse, apertando carinhosamente a minha mão:
"Como estás, Roberto? Vieste de que estado?". Menti que vinha de
São Paulo e rebati com outra pergunta: "O que há com os colegas
do Rio de Janeiro?". Ela olhou-me de soslaio e começou a resposta:
"Eles não gostam de pagar por uma boa companhia. São agradáveis,
simpáticos, mas sempre nos "levam no beiço² ". Isto
é muito ruim, pois vivemos disto. Somos profissionais". Fiquei meio
encabulado com o argumento dela, mas, na verdade, nunca havia pago por
uns momentos de amor. Gostava mesmo era da conquista! Mas como só
queria conversar um pouquinho, convidei-a para tomar um "drink", ao que
ela disse que conhecia um bom lugar. Aquiesci com a cabeça, aceitando
o braço que ela me oferecia. Matutei: "O que será que meus
colegas estão pensando de mim?".
Chegamos logo a um belo local e puxei a cadeira
delicadamente para Odésia, este era o seu nome, estranhamente a
primeira mulher cearense que conheci.
Já era noitinha e uma música romântica
enchia o ar. Tratei de oferecer a melodia à moça que sinalizou
com uma certa emoção no rosto dizendo: "A primeira vez que
me oferecem uma música...". Peguei corda com isto e chamei, num
gestodiscreto, uma moçoila que estava perto dali, vendendo botões
de rosas. "Ataquei" novamente, estendendo o botão para Odésia
que não conseguiu ocultar uma lágrima nos olhinhos verdes
de mulher jovem. Avaliei que deveria ter no máximo vinte anos e
me surpreendi com sua reação. Falou-me: "Roberto, nunca ninguém
havia me oferecido flores antes, acho que estás a fim de mexer com
minhas emoções, isto não é muito bom... Não
devo me apegar aos clientes", disse jogando, simbolicamente, um balde de
água fria nos meus arroubos de conquistador barato.
Pensei : "Que diabos! estou caçando! e esta
não é uma caça apropriada! Não fazia parte
do meu "jejum". Não estava na minha escala "alimentícia!"
Está chegando a hora de ir para casa! Mas, que mal havia em tomar
uns drinks com uma prostituta? Agradei-me dela! É bonita, delicada
e sinaliza alguma sensibilidade". Retirei o pensamento da cabeça
e, elicadamente, chamei-a para dançar.
A noite estava divertida! No Rio de Janeiro mal
tinha tempo para me divertir. Minha vida era do escritório para
a Labre e desta para casa, para descansar. Mas, infelizmente, o tempo corria
e finalmente, tive que sugerir voltar ao hotel, pois de manhã haveria
o início das reuniões do Conselho, razão de minha
viagem.
— Oh! Que pena! Mas você, pelo menos, poderia
me levar em casa! Reclamou Odésia! Olhei para ela e disse: — Nada
conheço aqui... Ao que ela retrucou: — Eu dirijo!
Odésia morava num belo apartamento, nos arredores
da cidade e informou-me que era tudo que seu pai havia lhe deixado. Estava
muito bem decorado e resolvi avaliar um pouco mais. Fui até ao banheiro,
que me surpreendeu pelo luxo! Ela, logo atrás de mim disse: "Só
recebo senhores de fino trato! É preciso estar compatível
com a clientela!". Acabei resolvendo tomar um banho e ficar por ali, perigosamente,
até a manhã seguinte. Ela pediu-me que esperasse um pouco
e, logo após, voltava envolvida em um chambre confortável.
Pegando-me pelo braço, levou-me até o quarto. Não
preciso dizer da bela decoração! Aquilo era um verdadeiro
ninho de amor! Despi-me meio encabulado e logo estava com aquela estranha
mulher deitada ao meu lado, com a cabecinha repousando em meus braços.
A idéia de que era uma prostituta impedia-me de tocar nela, mas
o seu perfume e a pele delicada me açoitava para o amor. Desviei
meus pensamentos e tratei de entregar-me à Morfeu. Naquela noite,
para mim, só sonhos!. Não vi a noite passar e nem Odésia
nada fez para acordar-me. Despertei com os primeiros raios de sol que entravam,
atrevidos, por uma pequena separação entre a cortina da janela.
Levantei-me com jeitinho para não acordá-la e vesti-me. Coloquei
uma cédula, generosa, bom valor! sobre a cômoda, no quarto,
(hoje equivaleria a uns cem reais) e saí fechando a porta sem fazer
barulho. Não foi difícil conseguir um táxi, que me
deixou no hotel, onde Antenor já estava sentado no restaurante.
Olhou-me e perguntou: "Dormiu com a filha do prefeito?". Sorri, dando–lhe
bom dia e evitei o assunto.
Não tive nova oportunidade de rever Odésia
até o último dia, quando já me preparava para ir embora.
Resolvi, naquela última tarde, atender a um de seus muitos recados
na portaria. Liguei do quarto e ela me perguntou porque deixei o dinheiro.
Disse que não costumava receber sem trabalhar. Expliquei a ela que
se a tivesse tocado, não poderia pagar, pois dentro de meus conceitos,
nunca compraria carinho ou algo parecido. Pedi que guardasse o dinheiro
e que não se preocupasse, pois aquela quantia não podia pagar
os momentos agradáveis que junto passamos... Lamentei ter escondido
ser do Rio de Janeiro e que algumas pessoas tinham dificuldades em pagar
pelos momentos de amor. Despedi-me estranhando a reação dela
pois não era, para mim, compatível com as reações
de uma prostituta. Escrevi seu telefone em minha agenda e viajei para o
Rio de Janeiro, de volta à rotina.
Dois anos se passaram e fui reeleito para a direção
da Labre-Rio, que era bienal. No fim daquele primeiro ano de mandato, nova
reunião do Conselho Federal e lembrei mais uma vez da minha companhia
em Brasília. Resolvi ligar antes de viajar. Lembrou-se de mim e
disse que tinha uma surpresa e que me apanharia no aeroporto na hora combinada.
Cuidadosamente, dessa vez, viajei só. Havia
marcado minha passagem para um dia após a de meu colega presidente
do Conselho Estadual, propositadamente. Não queria que ele soubesse
do meu caso com Odésia.
Chegando ao aeroporto de Brasília, bagagem
modesta na mão, a vi logo ao sair do compartimento de bagagem. Estava
trajada mais modesta, aliás, menos atrevidamente e deu-me o braço
até um táxi que estava parado no estacionamento.
Surpreso perguntei: " Cadê o motorista?".
Ao que ela respondeu sorrindo: "Sou o motorista, mas você, desta
vez, não é meu cliente, é meu convidado!". Sentei-me
ao seu lado sorrindo e ouvi no caminho sua nova história: "Fiquei
muito chocada com sua rejeição naquele ano. De fato, não
estava muito feliz com aquela vida que havia escolhido. Resolvi comprar
este táxi com algumas reservas que tinha. Matriculei-me na faculdade
de pedagogia e me formo no final do ano que vem!".
Dessa vez, as lágrimas que desceram foram
em meus olhos e confesso que fiquei emocionado com a história daquela
mulher que tive alegria de amar por aqueles breves dias que passei em Brasília,
pois no ano seguinte, tive que deixar a diretoria estadual da Labre e nunca
mais voltei ao Planalto Central .
Áquela mulher, onde estiver, os meus profundos
respeitos e o agradecimento pelas horas de carinho que passamos juntos
naquela última reunião que participei em Brasília.
____________
¹Liga de Amadores Brasileiros de Radio
Emissão
²Aurélio:
Verbete: beiço- Dar o ...
1. Deixar de pagar dívida;
calotear; dar o beiço.
RPires