Rosa

Apoiar a filha que decidiu largar o marido, a mãe de Rosa apoiava mas, onde alojar a filha e os cinco netos, na casinha pequena onde os parentes e agregados se espremiam? O jeito foi colocar, no tempo, as quinquilharias do quartinho lá dos fundos do quintal. O lugar era pequeno, abafado e sem janela — não havia sido construído pra abrigar gente. Mas por pouco tempo, podia servir.

Rosa e os filhos, foram morar no quartinho. Durante o dia, as crianças brincavam na casa da avó ou no quintal de terra, enquanto a mãe trabalhava em casa de família. O maior problema era a hora de dormir. A mãe chegava exausta do trabalho e encontrava muito o que fazer. Quanto mais cedo os filhos dormissem, mais cedo ela descansaria. Depois que as quatro meninas dormiam, ela arrumava um cantinho pro único filho homem. E sentava sobre um pneu, onde cochilava até meia-noite. O toque do despertador, sempre a assustava. Era difícil levantar, o corpo todo doía e, o coração, doía mais ainda, por tirar o filho querido da cama. Mas sem descanso, seu corpo não agüentaria a carga de trabalho que a esperava no dia seguinte. Com muito custo, conseguia colocar o menino sentado no pneu e, deitava, até que o despertador tocasse as quatro horas da manhã.

Ainda estava escuro, quando Rosa, com a bolsa colada ao corpo, caminhava pelas ruas desertas até a estação de trem. Era preciso chegar cedo - pra não perder o trem e tentar conseguir um lugar pra sentar - por ser mais confortável e seguro. Ela temia não só as mãos bobas mas, ter a bolsa roubada, durante um inevitável cochilo, nas duas longas horas de viagem. Quando chegava ao seu destino, ainda pegava um ônibus que a levaria bem próximo ao trabalho.

Durante cinco anos, Rosa e os filhos moraram no quartinho, cada vez menor. Os filhos cresciam e ocupavam mais espaço. Cada vez mais, eles precisavam encolher as pernas na hora de dormir e, menos espaço sobrava, para o pneu onde mãe e filho se revezavam. Quando a filha mais nova fez seis anos, Rosa mudou-se para o quartinho que construiu, ali mesmo, no quintal da casa de sua mãe. Era o fruto de cinco anos de trabalho — tijolo e cimento comprado com o dinheiro que ela, milagrosamente, conseguira economizar.

Quando essa mesma filha fez quinze anos, Rosa decidiu mandar rezar uma missa em comemoração ao aniversário e fazer um bolinho em sua modesta casa, agora com pequena sala e dois quartos. Satisfeita, a filha só pensava no dia em que, com um lindo vestido branco, entraria na igreja com o pai. "Pai?" Rosa exclamava. "Seu pai sou eu. Esse que você chama de pai, nunca procurou saber se você precisava de alguma coisa. Há quatorze anos, ele nem te vê. Se ele vai, eu não vou." E os cinco filhos rodearam a mãe, procurando acalmá-la e convencê-la a deixar que o ex-marido fosse convidado. Vencida, Rosa concordou mas, o peso de quatorze anos de trabalho e sofrimento, desabaram sobre ela. Primeiro ela queixou-se de enjôo, depois uma dor na nuca que incomodava...tonteira...uma coisa esquisita na vista e tudo se apagou pra ela. Desacordada, foi levada nos braços pelos parentes ao posto de saúde e, de lá, foi de ambulância para um hospital. Quando seu filho voltou pra casa, encontrou as irmãs reunidas, esperando notícias da mãe. Ao saber que ela havia tido um derrame e havia poucas chances de que sobrevivesse, as filhas se desesperaram e, fazendo coro com o irmão, se lamentavam em voz alta: — "O que vai ser de nós? Ela é nosso pai e mãe... Não temos mais ninguém no mundo... O que vai ser de nós?"

_______
N.A. Rosa está vivíssima e namorando. O ex-marido é que morreu. A filha mais nova está com 19 anos e tem duas filhas. A casa já tem outro andar, onde ela mora. O filho casou e mora na parte de baixo. A Rosa na verdade tem outro nome e trabalha aqui em casa há mais de 10 anos. Adoro ela.

Lenise Resende


 

« Voltar