Quando eu já estava separada e o ogro ainda me cortejava, convidou-me para ir comer siri no Oliveira, restaurante mané dos mais conceituados aqui na Lagoa da Conceição. Adoro siri cozido só no vapor, sem mais temperos além de umas folhas de louro! Não é coisa que se coma em lugar fino, por causa da lambança. A gente quebra as cascas com um pilão sobre uma "tábua de madeira", cata as carninhas com o cabo de uma colher de chá, mete a boca direto, enfim...
E eu lá, ouvindo... Sim, porque a gente não conversava: eu ouvia. Não havia guardanapo de papel que chegasse para a mixórdia que eu estava fazendo no meio daquela sirizada e sugeri que pedíssemos uma lavanda. "Oh, claro!" E para o coitadinho do garçon que estava passando:
Traz uma lavanda pra gente...
Ri e ponderei que o garçon não ia saber do que se tratava. Com efeito, a lavanda não veio e eu pedia que ele insistisse, mas explicando direito o que queríamos:
Diz pra ele que é uma agüinha pra gente limpar os dedos...
Ele bem sabia como fazer. Só que, daquela vez, não tinha sido o dono da idéia e, portanto, a idéia não podia ser bem sucedida. Não conto aqui todas as minhas tentativas e como rolou o papo em torno da lavanda porque ia gastar muito papel. Acabei comentando:
Puxa, e o garçon não trouxe a lavanda...
Trouxe sim... Taí, ó...
E me mostrou com o tal do sorriso sádico de que falo um balde de inox, desses de gelar vinho, cheio d'água em cima da mesa. Eu nem tinha visto chegar aquele estrupício! Aí, fiquei de pacote cheio. Já não era mais a medrosa de antes e cometi a ousadia de tomar uma atitude. Chamei o garçon:
Moço, traz pra gente duas tigelinhas, dessas de gelatina, e um limão cortado em rodelas?
Meu pedido foi atendido em dois tempos, já que tinha sido claro e simples. Enchi os pequenos recipientes com a água do balde e botei neles as rodelas de limão; fiquei com um e depositei o outro perto do prato do ogro. Na mesma hora, ele se levantou e disse:
Vou lavar as mãos.
Voltou do banheiro e não comeu mais. Havia ficado danado porque estivera curtindo a frustração que me causava e tirei-lhe o brinquedo; mais furibundo ainda por eu tê-lo desafiado e tomado uma atitude; certamente, sentiu-se impotente por saber que não teria a forra, já que não estávamos mais casados.
Ainda faltavam quatro siris! De acordo com o código antigo, era para eu ter perdido o prumo e, culpada, a fome junto. Meu apetite nem dava para terminar sozinha aquela refeição, mas com que prazer o fiz! Fui comendo perninha por perninha, garra por garra, mergulhando meus dedinhos na minha lavanda e... falando sozinha... Olhando sorridente para aquela cara de tronde, como se nada de "errado" tivesse acontecido. Curti o momento um tanto sadicamente, confesso. Desnecessário dizer que, depois daquele episódio, nunca mais fui convidada para comer siris e nem quaisquer outras iguarias, o que não me causou nenhum desgosto.
Maria Emília Berthier