Crônica em estado Crônico 04 ou Carta para Leila Cristina

        Tenho muito medo de morrer, mas tenho mais medo ainda de ver alguém muito próximo morrer, a primeira vez que percebi que não éramos imortais foi aos três anos, olhando umas figuras no livro de ciências de meu tio, que por sinal faleceu no ano passado em Aracaju.

        Recordações remotas em relação a morte, uma quem relatou e achando muito engraçado foi minha tia, morta a mais de 15 anos. Contava que no velório do pai dela, eu corria por baixo da mesa onde estava o caixão, e dizia que meu avô estava dormindo, como que encantado, era um desespero, todos com medo que eu desse um cabeçada na quina da mesa, criança tem reações imprevisíveis em relação a morte. Depois de algum tempo comecei a perceber que a família só estava junto nos velórios, o que me deixava bastante triste, devíamos nos reunir como nos velhos tempos para improvisar festas juninas, ou para comer angu preparado por minha avó, mas ...

        Outras lembranças ainda da infância estão ligadas a morte de minha bisavó, assisti a sua morte, e o estranho é que percebo que dos personagens desta história apenas eu sobrevivo. Minha bisavó tinha 80 anos, e estava sendo tratada em casa, naquela época, assim como os velórios, os doentes recebiam os médicos em casa, chovia , a casa cheia de familiares apreensivos, era bem a tardinha, meu avó sentindo uma piora no estado de saúde, resolveu correr na casa do médico, naquela época telefone era raro, pois bem, foi ele sair, e minha bisavó dar os últimos suspiros, parece que ainda ouço o meu tio com voz desanimada declarando nada mais havia a ser feito, tentei correr e impedir que meu avó saísse a busca do médico, mas não deixaram, me impediram, ele saiu na esperança de encontrar o socorro, quando voltou chorou muito e não lembro de vê-lo chorar tanto em outra ocasião.

        Por estranha coincidência, muitos anos depois, para ser exato vinte dois anos depois, estava presente na hora que meu avó deu os últimos suspiros. No enterro, minha avó resistiu, nenhuma lágrima, seguia tranqüila, quieta, e só foi perder o controle quando realizamos a exumação, chorava copiosamente diante dos restos mortais do companheiro de cinqüenta e dois anos.

        Estou relatando todos estes acontecimentos, porque na verdade não sei o que faiar para alguém que perdeu um parente, alguém próximo, alguém com quem dividiu alegrias e sonhos, tenho uma enorme incapacidade para pêsames. O que dizer numa hora dessas ? O que pensar ? Quando morei em Minas fui acompanhar o enterro de um nascimorto, era um bebe de dias, éramos o pai, a mãe e uma tia do pequeno, aquela cortejo tão pequeno, o caixão , nas mãos do pai, a mãe aos prantos, ainda tentando ser refazer do parto, mas a dor não era física, era muito maior, imensurável, eu segui calado em profundo silêncio, dizem que os filhos não devem morrer antes dos pais, nada mais correto.

        Ainda estou tentando encontrar palavras, mas fico relembrando cenas de funerais, mas devo lembrar também que devemos seguir vivendo por maior que seja a dor, por maior que seja esse sentimento de perda, por parecer que nunca passará.O que tenho para dizer é que precisamos seguir o destino, nem que seja para de uma certa maneira estar prestando uma homenagem aos mortos. Porque lembro que tomamos um porre depois do enterro de meu avó, bebemos muito, e parecia uma estranha comemoração, meio que sem propósito, mas queríamos recordar de uma pessoa alegre, e respeitosamente seguir vivendo e reverenciando a sua memória .Não sou realmente bom para pêsames, mas posso ser solidário na dor.

Flávio Machado

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