COMO CONHECI A. B. HORTA

        — Por obséquio, Dr Andrson está?
        — Não senhor, ele desceu, está no parquinho com as crianças, respondeu gentilmente sua esposa Célia.
        — Não quer entrar, para esperá-lo?
        — Não, obrigado; vou procura-lo no parque.
        — Mas o senhor não o conhece!.
        — Nada não, eu chego lá.
        Desci no elevador pensando como faria para encontra-lo. Era preciso. Transcorria o ano de 68, quase interminável, um desses anos que foi feito para não acabar, pelo menos na ótica dos opositores ao regime. O desconhecimento era mútuo e nem sequer tive o cuidado de telefonar marcando o encontro.
        Ali estava eu empunhando o meu pacote de versos, recém-saídos da escuridão das gavetas. A fase típica do poeta clandestino, pré-editado, prestes a nascer e receoso da fulgurante luz do dia que talha a neblina, esparge os aromas matinais e espanta duendes, demônios e vampiros. Ocorre que instigado por um amigo comum, salvo engano o poeta José Godoy Garcia, cedi à tentação de submete-los aos olhos críticos do poeta recomendado. É como convidar alguém para padrinho de um filho especial, antes de nascer. Por outro lado a expectativa de dar vida ao poema enclausurado é excitante. Primeiro porque a luz devassa nossos territórios sombrios de ternura e ansiedade. Segundo porque o excesso de claridade pode matar uma semente que viceja frágil e tenra na penumbra dos bosques dos sentimentos. Sei lá. Sei que estava tenso entre o quarto andar e o pavimento térreo. A babá ao meu lado, possuída de um desdém angelical ao meu drama, se ocupava com a criança teimosa, que insistia em encostar na porta.
        Terceiro, segundo, térreo. Pronto, a porta pantográfica abriu-se, melhor, fechou-se sobre si mesma. Não sei se era pantográfica, mas o termo cai melhor sobre o papel.
        — E agora, como acho o Dr. Anderson no meio de tantos pais e tantas crianças? Pensei comigo, não haveria outro poeta naquele parque sábado de manhã. Dois poetas seria um desperdício parnasiano no meio daquela algazarra coloquial. Não, dois não pode haver. E todo poeta tem um ar sinistro, um sinistro enleio, como se prestes à hemoptise fulminante. Além disso, são fingidores e dissimulados por excelência, haja visto Fernando Pessoa.
        A manhã era cinza e morna, não havia no céu o azul escancarado de Brasília; num rápido olhar descobri o meu personagem-poeta, lá estava, disfarçado de pai e fui direto ao alvo: “Você é Anderson?”
        — Exato, eu mesmo; você é o Juiio Cezar. Godoy telefonou-me a respeito.
        Pronto, estava feito o reconhecimento, mútuo para minha satisfação e salvo o prefácio do primeiro livro. Como cheguei lá? Fácil, era entre todos o único pai que não olhava para os filhos, estava entretido com as nuvens.

Julio Cezar

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