MINHA ODE AO LÍBANO, UM VATICÍNIO ÀS AVESSAS

            Como todos sabem a palavra "poeta" vem do grego "poietes" e quer dizer "aquele que faz". Já os romanos se utiutilizavam da palavra "vate", que servia para designar tanto o poeta como o profeta. A razão disso era que a ambos seria reconhecido um grande poder de intuição. Não quero parecer didático "até porque a maioria já sabe disso"... Mas, para evitar possíveis mal-entendidos, é importante precisar que esta palavra "intuição" vem do Latim, "intuerc", com sentido de "visão".
            Daí que "vaticínio" quer dizer predição, profecia, ato ou efeito de adivinhar, etc. Trata-se de prognosticar, de prever ou antever e assim por diante. É claro que o fenômeno da atividade poética não se esgota de todo na questão da cosmovisão do poeta. Há, também, o problema da construção da linguagem, do permanente conflito entre signo e coisa e, como diz o Décio Pignatari, é aí que começa todo o mistério. Mas não pretendo fazer um ensaio e sim, simplesmente, contar uma história. Daí porque me atenho, no momento, ao primeiro sentido mencionado.
            Há a difusão dessa idéia, portanto — um tanto verdadeira e, talvez, um pouco falsa — de que o poeta funciona como espécie de adivinho, capaz de fazer previsões futurológicas...
            Na verdade, não se trata propriamente disso. A ligação do poeta com o futuro dá-se noutra esfera e por outra ordem de considerações. Nem me consta que os grandes poetas da humanidade tenham desejado fazer adivinhações ou profecias do tipo das de Nostradamus, por exemplo. Por outro lado, é claro, a ninguém, adivinho ou não, poeta ou não, é proibido dar palpites sobre o que lhe parece mais provável no futuro. E foi baseado nesta singela ponderação que fiz um dia a previsão "poética" mais enganada que fiz até hoje.
            Trata-se de minha "Ode ao Líbano", escrita há algumas décadas. Embora, na ocaisão, eu nao fosse muito afeito a concursos literários, mas sendo minha paixão por viagens maior do que a minha eventual convicção contra aqueles, resolvi aceitar o desafio de inscrever-me num certame que daria como prêmio uma viagem ao Líbano...
            Era preciso enviar um poema que contivesse, no mínimo, mil versos sobre o Líbano! Aquilo ia de encontro totalmente à minha concepção de poesia que vislumbra na síntese a essência mesma do fazeer poético. Mas minha vontade de conheceer o Líbano era grande e resolvi arriscar. Pode ficar tranqüilo o leitor que não me passa pela cabeça, nem de longe, transcrever partes do poema... Muito menos o poema inteiro. Mas preciso dizer, ao menos, para que esse pequeno texto possa chegar ao seu destino, que eu enaltecera, entre as várias coisas encantadoras daquele país, a sua — até então inquestionável — vocação para a paz.
            Não se tratava de puxassaquismo exagerado. É preciso dizer, em minha defesa, que o Líbano demonstrara, ao longo de sua história, ser o responsável por numerosos aspectos positivos do povo árabe estando, entre eles, o renascimento literário. Mas não só isso. Eu tomara como exemplo, na época — embora eu seja uma autêntica inutilidade em matéria de conhecimento sobre guerras, tamanho o horror que nutro por esta macabra manifestação do ser humano sobre a Terra — a circunstância de que o Líbano tivera, no interminável conflito árabe-israelense, uma participação absolutamente secundária.
            Propunha eu, então, ao final do poema, que o Líbano levasse adiante o seu grande exemplo de paz para todo o mundo...
            Recebo, dias depois, carta dos organizadores do concurso acusando amavelmente o recebimento de minha "obra" (as aspa, no caso, sem falsa modéstia, não poderia ser mais adequadas...) e eu já me via passeando pelas mesquitas, pelas florestas de cedro, tomando banho no Mar Mediterrâneo, percorrendo as torres mamelucas de Tripoli e pesquisando a história do famoso Museu Nacional de Beirut...
            Esperava eu ansiosamente o resultado, mas nem foi preciso. Eclodiu, no país, uma guerra civil sem precedentes e quase tudo ficou melancolicamente dizimado. Os jornais, o rádio e a televisão, durante muito tempo, só noticiavam o morticínio e eu olhava para aquilo tudo, consternado e estarrecido ao mesmo tempo. Adeus, concurso! Adeus, Líbano! Adeus, sonho de uma viagem inesquecível!...
            E, sobretudo, "cala-te, ó boca!!!..."

Newton De Lucca

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