Homenagem a um poeta assassinado: Francisco Lins do Rego Santos

           Eu conheci José Francisco Lins do Rego Santos desde dezembro de 1999, quando pela primeira vez ele escreveu para Blocos anexando alguns dos seus poemas. Gostei tanto que coloquei três no site e convidei-o a participar de nosso projeto: "Brasil - 500 anos de poesia". Ele aceitou e enviou-me seu livro "Inventário da Noite", publicado pela José Olympio naquele mesmo ano. Só então, através do release, dei-me conta de que se tratava do neto de José Lins do Rego, parentesco que, em nenhum momento Chico Lins alardeava, até porque não precisava de qualquer respaldo para mostrar o quanto sua poesia era atraente...
            A partir daí, trocamos muitos e-mails, falando do que todo e-mail nosso em geral  fala: poesia, internet, site, projetos culturais... No dia 25 de janeiro, atolada de trabalho, pouco tive tempo para inteirar-me das mensagens, apenas puxei-as, sem lê-las; na manhã do dia seguinte, a trágica notícia chegou-me através de Marlene Andrade Martins, o poeta carioca fora assassinado, com catorze tiros à queima-roupa, em Belo Horizonte.
            De início me veio aquela sensação vivenciada em momentos anteriores, quando perdi meus pais e outras pessoas queridas: "deve ser engano". Corri para os jornais on line e, infelizmente, era ele. Coração apertado, inteirei-me da outra face do poeta: a do Promotor de Justiça, que anteriormente investigou a fuga do traficante Luiz Fernando da Costa, o "Fernandinho Beira-Mar" (que escapou da Delegacia de Operações Especiais em 1997), e que, agora, averiguava as denúncias de adulteração de combustíveis em postos da capital mineira (só no ano passado, ele conseguiu o fechamento de vinte e dois postos de gasolina e a prisão de oito pessoas envolvidas com o esquema fraudulento).

Vontade de ser um Che Guevara!
De me insurgir.
Me rebelar.
— Revolucionar!

                                (Inventário da Noite, fragmento do poema "O Grito")

            Até hoje o impacto e o efeito do choque não passaram. Na estante, pego desconsolada o seu :"Inventário da Noite" que agora ganha uma conotação bem mais trágica do que lírica. A noite, não mais abriga seus personagens notívagos, mas é a representação das trevas sinistras. Leio o poema "Mutilação" em que o poeta fala da solidão que devora as casas e dos homens que nela habitam, vestidos de sombras, com "os olhos que conspiram lágrimas de enfado e medo".
(...)
Carregam  na memória dos corpos
cicatrizes herdadas de outros tempos.

No entanto, nada fazem...
rendem-se ao disfarce das horas
regidas pelo incerto relógio do poder.

(Mas tudo, a qualquer momento,
pode explodir...)

            Infelizmente, os poderosos corruptos ganharam mais esta batalha, silenciando a voz incômoda que os perseguia (e já existem tão poucas); mas Chico Lins conseguiu o seu intento, revolucionou: contribuiu construtivamente, de todas as maneiras, para uma transformação radical da nossa sociedade, e a poesia foi sua companheira nesta ação conjunta, "um estrondoso grito de alerta contra a hipocrisia que todos, sem exceção, somos obrigados a suportar nesta caminhada coletiva em direção ao nada" (Augusto José Vieira Neto, na orelha da obra).
— Deveria deixar o mundo à noite
e não levar as saudades do dia.
O poeta morreu à tarde e não sei se levou saudades de um mundo cheio de insjustiças e desmandos, contra os quais se insurgiu e se rebelou, de forma tão corajosa e transparente. Mas nós, sim, sentiremos muita falta não só de suas palavras, mas de quem viveu com poesia o dia-a-dia em um mundo tão insensível e violento.

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Rodrigo Leão fez uma entrevista com o poeta (aliás, talvez a única, na Internet), há dois anos atrás no Balacobaco.

Leila Míccolis

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