Hoje cedinho, ao caminhar pra minha aula de "body-combat", me deparei
com Alfredo, o mendigo octogenário que todo inverno se abriga por
essas bandas. Dorme sob a marquise de um suntuoso banco ali na esquina.
Ao vê-lo não contive um grito de espanto. Ele estava com um
hematoma no olho esquerdo e tinha a mão toda esfolada, ainda sangrando.
Ao seu lado, dormia Humberto, que aparecera recentemente vindo do outro
lado da baía. Humberto tinha um pano cobrindo sua cabeça,
coisa estranha mesmo.
Então Alfredo me conta que nessa madrugada Humberto tentara
roubar seu cobertor felpudo, doado por uma caravana de senhoras, que sempre
passa durante a noite oferecendo sopa e agora cobertores. Como Humberto
não tivesse cobertor e se recusara a compartilhar com o seu, achando
que estivesse com segundas intenções... (logo ele, um macho
de primeira, apesar da idade) e na madrugada simplesmente o roubara. E
houve porradaria, certamente. Como aturar essa macheza de Humberto? Ele
podia ser velho, mas não era frouxo! E realmente com toda sua idade,
Alfredo estava bem, e Humberto dormia, arrasado, sequer se mexeu durante
todo o tempo que conversamos.
Bem, o cobertor foi recuperado. Saí e comprei um para Humberto
e lá vou eu com minha maleta de curativos pra fazer a limpeza nos
estragos que ambos apresentam pelo corpo. O mais impressionante é
que nada ouvi durante a madrugada, a não ser o cachorro obsediado
aqui perto que late dia e noite e já chamamos desde corpo de bombeiro
até rádio patrulha. Só um pai de santo agora resolve
a agonia desse cachorro. Parece que ve fantasma o tempo todo.
Os mendigos não incomodam, apenas acentuam o aspecto Belindiano
do nosso país. Edifícios alto padrão, bancos suntuosos
e mendigos esfarrapados, machucados, e brigões... No fundo uma questão
de sobrevivência.
Não tenho nada com isso, só sei que a época é
de eleições.O que posso fazer já estou fazendo, dando
uma cobertura a esses dois. Dou a eles a única "cobertura" que conhecem
e podem ter na vida!
Belvedere