DIA SEIS DE OUTUBRO

Poderia ser sete, ou onze, como em setembro, ou outro mês, mantendo o dia seis, como num certo agosto, encoberto por cogumelos no céu. Mas é um belo seis de outubro, ensolarado em minha cidade e em meu coração. Um seis de outubro como nunca houve. Um seis de outubro histórico, ansiado, comentado, dissecado. Ninguém poderia prever. Amanheceu uma paz, uma alegria interna, misturada a um civismo nunca dantes experimentado, não nas minhas poucas aventuras eleitorais.

Uma vontade de gritar nas ruas, de agitar bandeiras, mas bandeiras brancas, sem nomes ou números, simples e barata. Uma bandeira de harmonia, de união, de mãos dadas e olhos de futuro. Um sentimento silencioso, traduzido por pequenos sorrisos cúmplices de curiosidade cidadã. Um querer abraçar o irmão, um querer-saber-quase-adivinhando seu voto.

Calor, muito calor no meu Rio de Janeiro. Escolinha pública municipal, em obras visando reforma geral, como o país todo necessita. Mas com aqueles pequenos desenhos inocentes das crianças, de fé, de euforia, de patriotismo. Um clima de festa. Um clima de renovação. Uma onda de não sei quantos metros de altura, pra surfista nenhum botar defeito. A ONDA. Vai devagar pelas ruas, entra nas residências, sai pelos corredores, transborda nos postos de votação, contagia as salas das urnas, e se espalha nas veias do brasileiro.

Caminhei atenta pelo trajeto, até chegar na minha zona eleitoral. Muita calma, muita propaganda. Não havia tumulto, não havia pressa. Parece que todos já sabiam sua missão e tinham certeza do resultado. Respeito. Não acreditei, mas fui preparada para tudo, e encontrei um povo diferente hoje. O que é isso, que se apossou da minha gente? Que sentimento é esse, capaz de unir irmãos tão distantes? Havia uma fila e muito calor. Havia adolescentes, idosos, mães com filhos (eu levo sempre meu caçula, que faz questão de apertar a confirmação), pais com bebês. Juntos ali, naquela fila pela porção de cidadania, o mais humilde e o mais arrogante, o mais pobre e o mais abastado, o que nunca se importou e o que tanto faz, o que sabe e o que quer aprender. Havia um músico na minha frente, que tocara a madrugada toda seu cavaquinho, e ali estava, suando e contente, com uma confiança que nunca vira antes nos olhos, uma sinfonia de sentimentos, música no ar...

Havia um aleijado, com suas muletas, que fez questão de subir as escadas e não passar à frente. Não havia pressa, sabia que iria chegar sua vez. Aliás, a nossa vez. Sim, é a nossa vez, a vez dos que esperaram muito para ver essa nação despertar da inércia. A vez de fazer acontecer o que todo brasileiro sabe e quer. A vez dos nossos direitos, sem necessidade de briga, de morte, de sangue. Mostrar que é vermelho o sangue, mas que é branca a alma e é negra a pele, ou amarela, ou vermelha, ou azul, que importa? Sob o sol, todos são filhos da Mãe Natureza. Todos são irmãos. Todos são gente. E sabem.

Lílian Maial

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