E agora?????

Acabei de receber um telefonema de um amigo, que tem um outro amigo em comum comigo, chamado Filipi, que estava hospitalizado devido a um pequeno cisto no cérebro, que cresceu e o fez perder a audição. Eu e Filipi nos conhecemos, por que eu, também tenho um pequeno cisto no cérebro, como o dele e aí, este amigo que me telefonou agora, Carlos Arruza, resolveu que nós tínhamos que nos conhecer. Não só por causa do cisto, mas por que ele achava que Filipi tinha muito a ver comigo, que nós inclusive faríamos um grande casal.
Então, fomos apresentados. Filipi, um rapaz de 30 e poucos anos, ator, modelo e além das artes, como eu, tinha uma outra profissão que me foge agora, administrador de empresas ou alguma coisa assim. Divorciado, tinha filhos. Bonito, inteligente, divertido e tão cheio de vida, que agora, neste exato momento em que desligo o telefone e corro pra escrever, ainda duvido que possa estar morto.
Filipi estava hospitalizado, por que precisou fazer uma cirurgia para drenar o pequeno cisto que cresceu em seu cérebro. Mas alguma coisa deu errada, sabe? A recuperação desta cirurgia não aconteceu como estamos acostumados a ver em jovens saudáveis como ele... foi mais lenta que o normal e ele voltou pro CTI duas vezes antes desta terceira e última. Parada cardíaca. mas ainda assim, embora todos estivéssemos achando lenta a sua recuperação, nenhum de nós desconfiava que Filipi fosse morrer. Era vida demais, entende? Vida demais nele, vida demais pela frente!! Filipi entrou no hospital são! Saudável! Feito eu! O fato de sua audição ter sido afetada não indicava que em trinta dias pudesse estar morto.
Eu não fui ver Filipi. Não entrei no hospital, e não foi por que eu tivesse medo que me apavorasse o fato de eu ter o mesmo cisto que ele e de um dia poder estar no estado que ele estava. Não é nada disso. Problemas me impediram de ir vê-lo. Cheguei a comentar que iria visitá-lo, mais que três vezes, com Carlos, mas não deu. Eu até sabia o que faria durante a visita e as coisas engraçadas que diria, só pra vê-lo rir, que tinha um sorriso maravilhoso. Mas não fiz, não disse, não fui ao hospital nenhum dia desses trinta em que ficou lá. Problemas não deveriam nos impedir de ir a um hospital. Nossos problemas não são problemas perto dos problemas que carregam uma pessoa que está em um leito de um Centro de Terapia Intensiva. Meus problemas me impediram de tentar fazer sorrir uma pessoa que finalmente eu vou visitar amanhã em um cemitério e que vou ver descer sete palmos na terra e nunca mais.
Não foi Filipi que perdeu a chance de um sorriso com a minha não ida ao hospital. Fui eu que perdi a chance de muitos sorrisos ao ter que conviver com a idéia que eu considerei meus ridículos problemas um motivo para não ter ido vê-lo uma última vez ainda com vida. Bem, deixa estar, eu aprendi a minha lição. Da pior maneira, é verdade, mas eu aprendi.
Não quero escrever sobre a tristeza, sobre o choque, sobre o susto, sobre o não entendimento de sua morte, por que eu imagino que não seja necessário. Eu só vim aqui pra escrever sobre a minha lição, na esperança que um dia eu entenda, mas entenda mesmo, que se eu não fizer agora o que tenho que fazer, o que quero fazer, o que preciso e devo, pode ser que eu nunca mais o faça, nem por você, por quem quer que seja, qualquer outro ou nem mesmo por mim. Não existem problemas. O problema somos sempre nós, que acreditamos que temos tempo de sobra . Não temos. Definitivamente, nós não temos tempo sobrando e por isso é tolice perder tempo pensando que amanhã a gente faz. O meu amanhã com Filipi não existe mais. E agora?

Patrícia Evans
30 de novembro 2002 - 23:00

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