Véspera de dia de festa no bairro. Alvoroço generalizado.
Barraquinhas montadas e as donas de casa exibindo seus dotes culinários. Naquele subúrbio todas dominavam essa arte, pois a maior satisfação, era oferecer uma iguaria ao vizinho e receber depois os elogios.
Era uma profusão de pavês, cuscuz, quindins...
Havia fogos de artifício. Papai fora incumbido da compra. Gastara boa parte de seu salário com aquele compromisso. Afinal de contas o momento máximo da festa era ao final com a queima de fogos. Jorge Paulo, meu irmão, sempre com a mania de detetive, decidiu no dia da festa procurar os fogos, que haviam sido estrategicamente colocados em lugar onde não despertassem a curiosidade dele. Acabou encontrando-os sobre o armário mais alto da casa.
Decidiu acender uma estrelinha justamente sobre a minha cama, com o quarto escuro, achando que assim poderia ver melhor o pisca-pisca.
O que se viu, o que se ouviu, foi uma série de estrondos e clarões. Um horror! Buscapés corriam pela casa, bombas estouravam, sucessivamente. Ele fizera um incêndio de grandes proporções.
Logo chegaram os vizinhos com baldes de água, mangueiras e a bagunça foi geral. Passamos a tarde limpando a casa e nos desfazendo dos objetos queimados.
A festa, no entanto não fora adiada. Quem arcaria com os prejuízos? Que ficasse apenas com o meu pai, já que a culpa havia sido de Jorge Paulo.
Lastimaram muito a falta do foguetório pois era a parte mais esperada da festa. O resto transcorreu normalmente. Porém, um profundo sentimento de revolta começou a dominar os corações das crianças. Simplesmente deixaram de falar com Jorge Paulo. Não o chamavam para o futebol, cinema, para jogar botão, bola de gude ou trocar revistinhas e selos. Ficou abandonado.
Dois meses após a ocorrência seria o seu aniversário. Chamamos todos, como sempre. Não esperávamos o comparecimento. Mais ou menos na metade da festa, chegou um grupo de oito meninos, todos amigos, com um embrulho grande, ricamente embrulhado, e com uma faixa importada, coisa difícil na época. Jorge Paulo eufórico abriu o embrulho, soltou um grito de terror e começou a chorar convulsivamente. Fui ver o que era e sai correndo para o quintal. E assim foi. Cada um que olhava a caixa, gritava e corria, ou para o quintal ou para a rua. Até que meu pai decidiu olhar. Era homem de paciência budista. Olhou, sorriu, embrulhou e deixou sobre a cômoda. - É apenas uma caveira- disse. - Continuem a festa.
Na verdade o clima não pôde ser o mesmo. Tratava-se de uma vingança muito bem urdida. Não haviam esquecido a foguetório frustrado. Após a festa papai e mamãe foram a um rio que havia próximo a nossa casa e jogaram a caveira . Sempre perguntamos como os meninos a conseguiram .
Seria real? Coisa de imitação trazida pelo tio de Marquinhos? O cara era marinheiro e vivia trazendo novidades, como a tal fita que embrulhava o presente. Era um cara ousado, vivia querendo passar conversa nas moças da rua. Não era muito dado a respeito. Os homens sempre o olhavam atravessado.
Nunca soubemos a verdade. Papai nos deixou com essa dúvida. A sensação que tive no momento que vi o sorriso da caveira, foi de um grande foguetório dentro de mim. Foguetório que se expandia ao núcleo de minha família de forma definitiva e marcante.
Um ano depois, no aniversário de meu irmão, os mesmos meninos chegaram com uma caixa cuja fita parecia importada... Jorge Paulo recusou-se a abri-la.
Decidimos, então, que seria a última festa naquele bairro. Logo nos mudamos para Niterói. Deixamos todas aquelas mágoas para trás. Caveiras, apenas anos mais tarde, mostradas em aulas.
E de plástico!