Ao meu tio herói Afonso Henriques
Mais um
herói está morto. Um daqueles heróis que não
se encontra muito facilmente por aí. Um herói que sabia tudo
da vida, desde consertar uma pia pingando a aprontar um filho pro mundo.
Pau pra toda obra. Mão em toda roda e em toda massa. Homens como
não se faz mais porque mudou tudo, desde a pia que pinga até
a massa que se come. Não exsitem mais porque a ingenuidade do herói
pouco se adapta ao mundo de hoje.
Mais um herói está morto. Um daqueles que no fundo todo mundo
ama, todo mundo respeita, adora e quer um, não importa o quanto
se discuta com ele, o quanto se desentenda, o quanto se brigue. Um daqueles
que se recusa a perder seja lá pro que for e ainda que perca não
tem atitude de derrotado. Um daqueles que a gente quer tomar como exemplo,
que a gente quer ter a força dele, a vitalidade, o humor.
Este herói que morre hoje é de uma família de heróis,
que por acaso é a minha.
Não tenho conhecido seres humanos como estes, tão dispostos
pra luta mesmo que nem sempre muito bem preparados. Não há
tempo feio pra essa gente de sangue Henriques. Ainda que envergue esta
estrutura de aço que sustenta esta família não dobra,
não funde, não quebra.
Todos nós cometemos erros. Com heróis não é
diferente. Meu tio cometeu seus inúmeros erros, mas cometeu acertos
muito mais grandiosos e na balança da vida ele saiu ganhando. Deus
lhe abrirá as portas e mostrará seu lugar.
Heróis partem mais cedo, isto é fato, e, embora a gente fique
assim, sem saber o que fazer, pra onde ir, o que dizer, o que sentir ou
pensar, embora a gente tenha uma certa vontade de fugir, de se esconder,
de se revoltar, embora a gente até chegue a pensar que desse jeito
não vai dar, o exemplo do herói foi bem dado e aprendido,
a gente acaba por se levantar e não se deixa quebrar.
Eu tenho orgulho de me chamar Henriques. Tenho em meu escritório
e em meu quarto o brasão deste sobrenome exposto em moldura na parede.
Cada vez que alguma coisa de ruim acontece, que eu acho que não
estava preparada pra enfrentar eu leio o nome na moldura e penso "Essa
é a família Henriques..."
Este povo já passou por coisas que quase ninguém sabe porque
heróis não contam suas proezas, heróis não
têm tempo pra histórias ou ladainhas, heróis estão
sempre correndo, sempre lutando, abrindo caminhos, consertando nossos e
os próprios erros.
Mais um herói está morto é verdade, mas deixou seus
frutos, poliu ainda mais o aço desta estrutura, endureceu a liga,
cumpriu sua missão.
A tristeza que hoje me abate é algo que não se pode descrever,
mas eu sou uma Henriques e amanhã é um novo dia e se o herói
que se foi me ensinou alguma coisa foi que nada é motivo pra tristeza,
quando a gente tem este amor heróico no coração. Se
este herói me ensinou algo foi que nem a presença e a aproximação
da morte é motivo pra gente parar de lutar. Ainda que Deus nos chame,
a gente discute e tenta convencê-lo do contrário até
o final. É a mania que o herói tem de querer ficar pra continuar
brigando em vez de tirar férias e descansar. O descanso e o repouso
nunca fizeram sentido pros Henriques... sempre soou como perda de tempo,
afinal, tanta coisa ainda pode ser feita! Mas esta decisão cabe
mesmo a Deus, não é? Nem adianta a gente teimar, que quando
o herói ganha a sua batalha é hora dele ir.
Tio, a sua batalha foi ganha, sua missão está cumprida, mande
um beijo pros heróis Henriques que se foram antes e apesar de eu
saber que você preferia não parar, tenha seu merecido descanso,
aproveite as férias pelos que ainda não ganharam sua luta
e estão aqui nesta guerra, ok? Te amo muito, muito, muito.
Patrícia Evans Gambôa Henriques