Reminiscências...

Com a suavidade das brisas que acariciam a noite, ela tocou-me de leve no rosto e tentou sorrir, sem conseguir esconder o pranto que escorria-lhe pela face. Depois, sem pronunciar uma só palavra, beijou-me terna e longamente nos lábios, pois àquela altura já não importava mais a opinião da multidão que se apinhava na rodoviária, naquela triste tarde de domingo.
Enquanto subia as escadas, ela acenava de forma hesitante e quando finalmente entrou no ônibus, pela primeira vez na vida eu pude sentir como era fugidia e ao mesmo tempo aderente a silhueta da saudade. No auge dos meus 16 anos chorei como criança que ainda era, e como adulto no qual, sem perceber, já me transformava. Aquela foi a ultima vez que a vi.
Que diriam os moradores daquela pequena cidade do interior das Minas Gerais, se soubessem que desde os 13 anos de idade um certo adolescente, filho de família tradicional daquela região, mantinha um intenso romance com sua professora de português que contava à época 25 anos?
A resposta certamente seria um escândalo... e dos grandes. Mas ninguém descobriu.
E aquele romance secreto evoluiu. Prosseguiu durante quase quatro anos, vencendo preconceitos, temores, idades e rubores. No seu bojo, um menino se fez homem e uma mulher redescobriu a ingenuidade do amor.
Ah! Minha doce professora! Contigo aprendi muito mais do que a técnica gramatical do amor. Ensinaste-me, por exemplo, que quando se ama de verdade não existem erros de concordância, mas apenas tempos verbais diferentes, pois enquanto eu me regozijava no presente do indicativo da tua felicidade, secretamente, tu já conjugavas as dores do futuro do presente da minha mocidade. Ao longo daqueles anos, misturamos nossas realidades, e se de um lado tu me guiavas pelos labirintos ainda desconhecidos do amor carnal, de outro lado eu era o teu professor na disciplina do amor puro, ingênuo, quase filial.
Após o domingo da tua partida, o sol da minha juventude eclipsou-se por duas intermináveis semanas. Acamado, com febre e sem apetite, durante quinze dias ouvi o Queen e os Beatles na esperança de aquecer meu coração que jazia hibernado, maltratado que fora pelo frio dolorido da separação. De dentro da minha caverna feita de silêncio, sofri, gemi, suspirei, por não poder revelar ao mundo a causa da minha dor, da minha ferida, da minha desdita.
Lembro-me ainda, como se fosse hoje, quando seguraste as minhas mãos e disseste que havia chegado a nossa hora.  Imediatamente, exibi o largo e espontâneo sorriso da ingenuidade, achando que iríamos revelar a todos o nosso romance. Mas, na linguagem muda do orvalho que caía dos teus olhos, compreendi que já não conseguias mais suportar aquela situação. Querias partir. Precisavas retornar às origens. Voltar para a tua cidade natal. Recomeçar de um ponto já conhecido. Pisar em terreno sólido, experiente. Evitar as areias ardentes, movediças e traiçoeiras da adolescência. Assim, por muito amar, tu me renunciaste, entregando-me de volta, resignada, aos braços da intrépida mocidade.
E depois de quinze dias de tempestades e trovoadas, de um céu encoberto pelas nuvens escuras feitas de ausência e agonia, brilhou em mim novamente o sol da adolescência, cheio de renovada alegria, quando num cinema, mirei os olhos cor de mel de uma bela guria que sorria.

Emmanuel Chácara Sales

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