Foram dois momentos inesquecíveis. Eu lembro muito bem no dia
que elas nasceram. No dia 6 de fevereiro de 1986, eram mais ou menos 11
horas da noite. De repente, chega a enfermeira com Mariana no colo. Era
gordinha. E Eu parei de respirar. Ela disse: "toma, pai!" Eu segurei minha
filha todo esquisito, com os braços estirados, desajeitado. Ela
tomou novamente a menina para levá-la ao berçário
e eu desci para ligar para a minha mãe. Meus pés não
tocavam no chão. Eu não sabia se ria ou chorava. Fui para
casa e tive uma regressão danada. Dormi e mijei no sofá!
No dia 9 de abril de 1987, eu esperava no corredor do hospital, junto
com Socorro Costa. Quem trouxe Mayra, foi o médico. Linda! Novamente
meus pés descolaram do chão. A enfermeira chata disse: "que
engraçado. Você está feliz! Já tem uma menina,
pensei que queria um menino." Eu quase mando ela à merda. Eram umas
duas e meia da tarde, eu acho. Novamente fui ligar para minha mãe
flutuando... "É a minha cara!" Pensei convencido. Não mijei
no sofá. Mas tomei uma grande...
Difícil descrever a emoção de ter um filho. Só
sentindo. Desde então, minha vida mudou muito. Para muito melhor.
Hoje, sou um homem feliz, porque pude exercitar esse amor em todos os momentos
nos últimos dezoito anos. Desde a primeira ultrasonografia, que
foi a de Mariana. Era incrível! O coraçãozinho delas
batia no sonar e o meu disparava, minha cabeça delirava... é
o Paraíso ser pai, eu pensava. E cada dia tenho essa certeza.
Minhas filhas foram os dois poemas com os quais conheci a perfeição.
Elas são a minha poesia inteira. Sem elas, eu não escrevo.
Sem elas, eu não respiro... elas são tudo!
Agora, Mayra e Savinho me fazem experimentar uma emoção
que eu também não sei descrever. Vou ser vovô! Vai
ter mais alguém para eu dedicar meus livros. Mais uma vez, a melhor
expressão de amor estará presente na minha vida. Desta vez,
através de uma das pessoas que mais amo na vida, meu Docinho...
minha filhinha caçula que sempre foi danada, sempre se antecipou
à tudo e à todos. Cresceu com os signos da liberdade, da
irreverência e, sobretudo, com uma imensa carga afetiva. O amor sempre
brilhou nos olhos de Mayra. Mais do que tudo.
Quando tinha nove meses, estava engatinhando e pegou uma linha no chão.
Esticou com as duas mãozinhas e saiu caminhando. Parecia um robozinho.
O riso no rosto, era o mesmo de hoje. Só que não tinha piercing...
Mayra sempre foi uma criança incrível. Sempre exigiu
muito de mim. "Pai, me ensina a andar de bicicleta!" "Pai, eu quero aprender
a tocar violão." "Pai, eu quero estudar Biologia!" Pai, eu quero
trabalhar e ganhar o meu dinheiro!" "Pai, eu quero ser uma mulher livre!"
(...)
E aquele riso no rosto... ah, o riso de Mayra tem uma expressão
de alegria que me faz superar tudo. Vem de do fundo da alma, eu sinto.
Minha filha tem uma energia interior maravilhosa. É luz que eu vejo
quando olho nos seus olhos.
Ela sabia que depois de ter aprendido a caminhar com uma linha, um
cordãozinho, não precisaria se escorar em mais ninguém.
De lá para cá, não parou de andar, de procurar seus
caminhos e de demonstrar uma maturidade e uma capacidade de superação
que eu nunca tinha visto em ninguém. Por isso, com medo de dar mais
foras do que eu dava normalmente (porque sou naturalmente leso), passei
a repetir: "Filha, tenha paciência, eu estou aprendendo a ser pai".
E errei muito, muitas vezes. Com Mayra, com Mariana... aliás, com
todo mundo. Sou um homem confuso, às vezes. Algo angustiado em outras.
Palhaço no circo de tudo, por opção. Algumas imagens
boas e outras ruins ficaram encalhadas na minha memória e eu aprendi
a viver com elas...
De uma coisa tenho certeza: só não errei na dose de amor.
Sempre amei muito e muito sinceramente. Principalmente minhas filhas. Cometi
muitos erros, tive uma juventude muito difícil, mergulhado no abismo...
mas, sempre busquei o melhor caminho, a saída, o centro de tudo.
E quando fui pai pude descobrir que o melhor caminho para aquelas criaturinhas
que me emprestavam tanta energia para continuar vivendo, era a certeza
de estar junto para as menores e as maiores emoções. Para
as pequenas e grandes alegrias, pequenas e grandes tristezas...
Nem quando deixamos de morar na mesma casa essa certeza se diluiu.
Pelo contrário. Aumentou. Hoje, transborda nos meus menores gestos,
no jeito de ver as coisas...
Eu estava vivendo um momento bastante difícil, desestimulado,
desiludido, pensando mais uma vez em ir embora porque minha missão
na Paraíba estava se esgotando. De repente, Joana me liga e dá
a notícia: "Mayra está ligeiramente grávida!" Foi
instantâneo: desde então, comecei a retomar a vontade de fazer
as coisas. As menores coisas. As grandes coisas. Comecei a me perdoar por
tantas vezes ter errado tanto. Por tantas vezes, também, não
ter sabido compreender o imenso universo amoroso, a energia da minha caçulinha,
da minha Docinho, da minha menininha Super Poderosa... era como se eu estivesse
ficando velho em cada atitude determinada da minha filha. Quando ela colocou
o primeiro piercing, eu quase desmaiei. Fiquei branco, tudo ficou escuro,
fiquei suado... Depois veio a primeira tatuagem, que eu soube antes.
Depois, as outras duas que eu nem soube. E senti, então, um pouco
de medo de estar perdendo o amor da minha filha. "Poxa, ela não
está nem aí para o que eu penso e digo!"
Quando começou a namorar Savinho, percebi que era a sua
primeira paixão. Fique com ciúmes! Mas, aos poucos, sem me
aproximar muito, comecei a perceber o carinho entre os dois e relaxei.
"Ele gosta dela, pensei!" E passei a gostar dele, também.
Hoje, Savinho também entrou no meu coração. Ele
se misturou no amor que eu sinto pela minha filha. Agora, por esse bebê
lindo que alguma vez vou sequestrar, levar pro meu cafofo para ouvir John
Lennon. Novamente, vou ler para poemas na beira de um berço...
como fazia com Mariana e Mayra.
Obrigado, minha filha! Aos 16 anos você conseguiu ser uma mulher
maravilhosa, corajosa... como muitas não conseguem ser.
Pude conhecer mulheres (poucas, é verdade) muito covardes para
dizer o que estou dizendo. Você é uma pessoa iluminada, inteligente,
sensível. E eu... eu estou aqui, mais uma vez... mais uma vez chorando
de emoção. . Agora eu tenho também um bebê na
tua barriguinha. Um bebê que vai engatinhar até encontrar
seu próprio cordãozinho. Ariano como eu, você, seu
avô, sua avó... um bebê que vai fazer cocô sobre
os meus poemas para me mostrar que podem ser melhor sendo mais simples,
para que ele (ou ela) possa entendê-los. Vai fazer xixi no meu colo...
e vai me ajudar a viver mais, muito mais e muito melhor.
Filha, te amo muito mais do que muito. Savinho... conta comigo, sempre.
Amo vocês, queridos!
Lau
Lau Siqueira