Entre árvores e sabores

            A mangueira da casa do avô em Sepetiba, tinha um tronco grosso, impossível de ser contornado pelos braços magrinhos de menina de 7 anos. E um galho comprido e resistente aonde podia-se caminhar em cima e imaginar uma ponte sobre um abismo repleto de animais selvagens. Ou uma casa na África onde ela, Jane, esperava com jantar pronto, o Tarzã, que se engraçava com uma tal de Chita, vê se pode!
            Brincava de tudo pendurada naquele galho. Às vezes com as crianças da redondeza, mas, quase sempre sozinha, tendo como companheiros somente sonho e imaginação.
            Bom era a época da manga. O caroço ficava seco de tanto chupar e ela deixava escorrer rios amarelos pelos braços, lambuzando-se inteira. Os fiapos incomodavam entre os dentes branquinhos, de leite. Os que sobraram, pois os da frente foram jogados em cima do telhado, garantindo o doce escondido embaixo do guardanapo no café da manhã.
            Tinha também a pitangueira. Esguia, alta e galante, impossível subir pois lhe faltava prática, menina de apartamento em férias na roça. Mas os frutos, esses não escapavam. Pegava do chão aqueles que não estavam machucados, juntava tudo fazendo da saia do vestido uma sacola e, calcinha aparecendo, escondia-se no galho da mangueira (agora uma caverna), chupando a fruta azedinha, manchando de vermelho boca e língua, cuspindo o caroço com o som de ploft!
            E havia os cajus dando uma coisa esquisita na língua, um nervoso. E tangerinas e nêsperas. Figos e pêssegos. E a avó, fazendo doce de laranja da terra, de mamão verde e suco de tamarindo, gritava lá da cozinha: "cuidado para não manchar a roupa!" Ora, ora... se isso lá era coisa importante.
            As uvas caiam em cachos verdinhas, pequenas e azedas que davam dó. Mas eram o orgulho do avô. E fruta do conde e graviola? A menina só cuspindo os caroços: plóft! plóft! e plóft!.
E as goiabeiras? Ah, as goiabas vermelhas e as brancas mais docinhas e preferidas. E ela lá, pendurada nos galhos que nem uma macaquinha. Que Jane que nada! Era na verdade a Chita e o Tarzã, só dela. E era a Penny Robinson perdida no espaço de árvores e frutas e, às vezes, também era a orgulhosa proprietária/companheira de um grupo de Liliputianos, Gulliver tupiniquim.
            Tinha a parte não tão doce: ver a avó torcendo o pescoço da galinha. E a menina lá longe, morrendo de pena da coitada. Mas era coisa igualmente saborosa pois a defunta virava um assado acompanhada do macarrão vermelho de tomate ou ao molho pardo, junto do arroz e das batatas coradas. Ela comia tudo, lambia os beiços, apesar da tristeza.
            É isso que agora se resgata e que ela risca no papel. E inventa cheiros e sabores, rima fruta com cor, gosto com saudade, pendurada nos galhos das árvores que já foram.

Daisy Melo

« Voltar