Quando o interfone tocou, interrompendo minha leitura de Abusado, fiquei
chateada. Quem viria me tirar daquelas páginas que eu devorava avidamente?
Atendi o interfone, e surpresa ouvi a voz de Sebastiana. O que ela
viria me dizer? Há mais de dez anos não a via. Pedi que subisse.
Ao abrir a porta, ela me abraçou e começou a chorar emocionada.
A filha mais nova, Leilane, a acompanhava.
Voltei no tempo.
Sebastiana era mulher do zelador aqui do prédio e tinha um filho
após outro. Quando Marilene estava com quatro meses, ela bateu à
minha porta desesperada. Estava grávida novamente e queria abortar.
Eu disse que não o fizesse. Ela respondeu que já tinha quatro
filhos e mal podia se sustentar. Falei que ficaria com o bebê quando
nascesse. Então, exultou e pediu que eu arrumasse a ligadura de
trompas.
Prometi que conseguiria.
Tarde da noite, voltou à minha porta dizendo que o marido, que
mal dava dinheiro para alimentar os filhos, dissera que não daria
o bebê, pois não era cachorro. Achei o fato bizarro, já
que ele gastava muito com um carro velho — tinha que ter sempre dinheiro
para a gasolina, enquanto para as crianças faltava leite. Eu e a
vizinhança ajudávamos no que podíamos.
Quando Leilane nasceu, eu a olhava imaginando a vida que poderia ter
comigo, e Sebastiana lamentava a pobreza em que viviam. Queria um futuro
melhor para os filhos. Chorava ao ver a oportunidade perdida de Leilane.
Eles acabaram saindo do prédio. Ainda ajudei por algum tempo.
Via as crianças, Leilane crescendo... Eu perguntava: "Sebastiana,
agora você não teria coragem de me dar a Leilane, não?"
Ela respondia: "Para você, eu daria sim, minha linda!" Agora ela
já não corria o risco de engravidar. Sebastiana era pessoa
firme e agradecida. Digna, na sua pobreza.
Após tanto tempo, eu estava com Sebastiana e Leilane. A moça
com 18 anos. A mãe já havia contado a ela toda a história.
Olho e digo: "Leilane, foi muito melhor você ter ficado com sua
mãe, ela é uma guerreira, e você ficou uma linda moça!"
Ela me olhou, observando tudo ao redor, sorriu, e nada disse.
Penso no que rolou pela cabecinha dela naquele momento.
Quando virou para ir embora, observei uma tatuagem nas suas costas
e ainda disse: "Menina, olhe como parecemos. Tenho uma tatuagem no mesmo
lugar, só que a minha é uma borboleta e a sua, uma flor!
Somos parecidas, hein?"
E caímos na risada!
É... podia mesmo ser minha filha! Tem exatamente o meu jeito
de ser.
Destino é destino. E o meu foi o de não ter um bebê
para acalentar, o que não me impediu que muitos aparecessem para
eu amar!
Belvedere