Fera ferida

Não vou mudar,
esse caso não tem solução
Sou fera ferida,
no corpo e na alma
E no coração

Roberto  Carlos e Erasmo Carlos

Descobri-me  um ser possessivo na medida do absurdo. Não acreditava que minhas reações pudessem ser tão desequilibradas. Chegava a me desconhecer. Não parecia  aquela mulher sempre elogiada por sua sensibilidade e espírito pacificador. Não. Realmente ao ver meu ex ao lado de uma mulher, virei fera. Ansiei por distribuir tapas, unhadas, mordidas, e xingações, as mais baixas. 
O que fazia ela ao lado dele? Naquele lugar, eu era  presença cativa, e eles os forasteiros. O espaço era de músicos e poetas,  numa festiva noite de sarau. Felizmente eu não estava agendada para interpretar nenhum trabalho. Que condições teria, subjugada por esses estranhos sentimentos?
E eles, que faziam ali? Ele não se aquietava em locais parados, tinha que estar sempre  mobilizado por alguma coisa. Hiperatividade pura. Observei, então, câmeras e microfones com eles. Compreendi que se tratava de trabalho.
Por que teria que ter parceria  com uma mulher, e ainda loura e bonita? Meu coração batia numa freqüência assustadora e sequer  medicamento tinha na bolsa. Levantei e fui tomar um café que estava tão quente que esfolou parte de meu lábio inferior; inchou como se eu o tivesse mordido.
Ai meu Deus, apazigua essas sensações diabólicas, mas antes me deixe ir  até ele e dizer que não admito outra ao lado dele. Aproximei-me e com voz macia e mão estendida, parabenizei-o e ele me disse : — Por quê parabéns? Faço o meu trabalho de filmagem e Rosa Helena o de repórter. —  Fingi não ouvir e dei de costas. Ele sabia que eu o parabenizava pela acompanhante.
Mas como eu estava senhoril com aquele vestidinho... por quê não ousara naquela noite? Por quê não  usei o top com brilho e o saião negro transparente? E meus saltos finos? Essa é a minha marca registrada: a sensualidade. Naquela noite me vesti de forma pueril. O universo conspirara contra mim. Que papelzinho miserável me coube!
Peguei os livros que havia levado para autografar, e, no meio do evento, me retirei, irada, desesperançada e acima de tudo humilhada. Era como se tivessem me cortado parte da asa.

Cheguei em casa, vi  todas as nossas fotografias, e rasguei cento e oitenta e uma, ou seja, todas. 
Custei a dormir. Virei na cama a noite inteira. Sonhos cheios de imagens fantasmagóricas...
Acordei com o telefone tocando. Atendi sonolenta e do outro lado alguém me disse: —  Olha, o que parece nem sempre é...
Era ele, com a voz macia, querendo me fazer entender que eu ainda era a mulher amada.
Estava cansada e puxei o edredom, cobri a cabeça, e gritei o maior  dos palavrões, desligando o telefone. Tentei  dormir novamente. Em vão.
Sou fera. Estou ferida.

Belvedere

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