COMO CONTO O CONTO QUE CONTO

Um dia, lá atrás me perguntaram como eu começava a escrever um conto. Perguntaram se a estória vinha pronta na cabeça ou se vinha em partes, formando-se aos poucos. Perguntaram de onde eu tirava personagens inusitados como uma bolha de sabão ou uma minhoca. E ainda, qual o objetivo que eu queria alcançar com meus contos.

Pois bem, minha formação não é técnica na arte de “escrevinhar”. Nada disso. Sou bacharel em direito.

Tenho uma ânsia enorme por escrever. Por que? Essa é uma pergunta que não saberia responder em poucas linhas ou mesmo em muitas, muitas linhas. Cada dia tenho uma resposta diferente e nenhuma delas me satisfaz por completo. O que sei é que preciso escrever, como preciso de ar para respirar e comida para alimentar o corpo e etc.

Como já disse não sou acadêmica das letras. O pouco que sei em relação à regras de escrita, aprendi na prática, lendo e pesquisando.

Não sou autodidata porque não fiz dessas pesquisas um estudo aprofundado. Apenas guardei algumas regras e tão somente isso.

Bem sei que ainda é preciso aprender muito. Lógico. Nunca se para de aprender por mais estudo que se tenha (esse é um bom e velho jargão: estudar nunca é demais), por isso estou sempre lendo. Aprendendo algo aqui, algo acolá e vou colocando em prática o que acredito que sirva para mim.

Bom. O que serve para mim? Essa é uma questão complicada. As críticas são pesadas quando se pretende fazer algo não convencional. Diria que o diferente sempre assusta. Eu gosto do diferente. Gosto da experimentação. Ir arriscando a cada escrita. Um texto sem uma vírgula sequer. Outro texto sem parágrafos. Outro ainda sem os quesitos “necessários” para se escrever. É apenas questão de experimentação na tentativa de encontrar outros caminhos. Outras formas de levar uma idéia ao leitor.

Chocar ou não, isso não importa. Para mim, o importante é fixar na cabeça do leitor um pensamento. Fazer o leitor pensar a respeito do que acabou de ler. Martelar a bigorna da reflexão. Essa é e sempre será minha intenção. Podem dizer, como já disseram, que o leitor não quer pensar, que o leitor quer apenas uma diversão e só. Nada que tire seu sossego ou coisa que o valha. Pois bem, aqui vai meu respeito àqueles que assim pensam. Eu discordo totalmente desta idéia. Vou continuar escrevendo para que o leitor transpire algumas gotas de suor questionando a vida e questionando a si próprio. Eu quero fazer pensar, pois é pensando que se vai ao longe, devagar e sempre.

A seguir vou colocar de forma simples, algumas regras ditas necessárias para se escrever um conto ou um romance. Diga-se que como boa aluna de direito, infrinjo as leis literárias, sabendo que a lacuna existente não me fará uma criminosa. Bom, talvez eu seja mesmo uma criminosa das letras.

Essa idéia me agrada. Acredito que até seria bom cumprir pena perpétua literária, com algumas milhares de canetas e muito, muito papel.

O que mais poderia querer?

Sem questionamentos insólitos, vamos ao que interessa.

O que aprendi:

Em primeiro lugar é necessário definir o local onde se passa o acontecido ou o inventado, não importa. É preciso definir o “onde” para situar o leitor num espaço físico visível na imaginação. Então, pode-se pensar em vários lugares. Cidades diversas, países ou até um planeta desconhecido. As opções são infinitas.

Eu, particularmente gosto de aproximar o leitor o máximo possível dos acontecimentos, como se ele pudesse abrir a janela e ver o desenrolar de tudo bem a sua frente, numa espécie de televisão onde tudo se passa ao vivo e à cores.

Geralmente transgrido essa regra. É raro especificar o local, deixo em branco o espaço reservado para este quesito.

Ou seja: uma lei infringida.

Depois do “onde”, é preciso definir o “quando”.

O “quando” é o tempo: passado, presente ou futuro. Uma data específica ou quase específica. Pode-se dizer apenas que tudo se passou no século XV, ou no ano de 2068 (que está muito lá na frente, ainda).

Pois bem, o meu “quando” é, geralmente, o momento presente.

Reza a regra de direito que trata dos prazos: “quando não for definido especificamente, o prazo será de cinco dias”. Em analogia à esta regra, nos meus contos, se não há definição de tempo, significa que o tempo é o presente. Gosto de fazer analogias, sempre foi meu forte na faculdade.

Quase por último é necessário definir o “quem”, ou seja o personagem principal do conto, que pode ser uma pessoa ou uma coisa. Pode ser até o próprio escritor ou o leitor.

Pode-se ter mais de um “quem”. Vários personagens principais. É importante saber que cada um deles é um “quem” diferente, com características próprias para que o leitor consiga distinguir um do outro. Além, é claro, dos outros ”quens” menos importantes que são aqueles personagens que não tem uma influência preponderante na a estória. Estes personagens secundários não têm a importância do “quem” principal, mas, mesmo assim, são distintos, com vontades específicas, objetivos e características, como qualquer pessoa que se conhece. Cada um é distinto: mais alegre ou mais triste; mais bonito; mais rico ou mais pobre; mais inteligente; mais sabido, malvado ou bonzinho, não importam as diferenças, elas precisam apenas existir.

Confesso que esta é a parte que mais gosto. Definir os personagens antes de escrever. É claro que não fico dias e dias pensando no personagem. É algo instantâneo, diria mesmo que ele se me apresenta pronto, gritando suas características para que eu não as esqueça numa linha ou no final do parágrafo. Gosto mesmo de bater um bom papo com os personagens enquanto escrevo. Quero saber tudo a respeito dele, de onde veio e para onde vai e por que surgiu na minha cabeça. Para onde vai me levar e tantas outras perguntas. Uma cerveja e uma porção de fritas e nossas conversas vão até o amanhecer. Tem coisa melhor?

Agora só nos falta definir um último quesito. Talvez este seja o mais complicado ou importante. O “por que” é extremamente necessário e não pode ser esquecido nunca.

O “por que” vai dar a razão ao conto, o objetivo que se quer alcançar ao escrever o conto, a mensagem que se quer passar para o leitor.

Sem um objetivo não há como se escrever. É necessário responder esta pergunta ao leitor “por que este conto foi escrito?”.

Por vezes, enquanto escrevo um conto, o personagem parece criar vida e muitas vezes muda o rumo que planejei dar a ele. O que se faz quando isso acontece? Depende. Cada escritor segue uma linha. Uns vão amarrar o personagem e vão continuar escrevendo exatamente da forma que pensaram, com o objetivo que criaram. Outros escritores, no entanto, abrem a porta para o personagem e deixam que ele mostre os caminhos a serem percorridos. O escritor ai passa a ser apenas um “copiador” de acontecimentos que o personagem vai mostrando até o final da estória.

Pode parecer loucura dizer que o personagem toma vida. Mas com o tempo, escrevendo mais e mais e criando novos personagens, um deles vai parecer querer sair do papel e viver a vida real. É preciso escrever muito para ver esse “milagre” acontecer. Importante também dizer que, mesmo que se liberte o personagem, é preciso estar sempre atento para que ele não fuja de todo da vista do escritor, caso isso aconteça, a estória não terá fim, pois o personagem irá correr mundo, como criança que vê o dia ensolarado e não quer voltar para casa enquanto não estiver tudo escuro e estrelado no céu. Então, libertar o personagem é muito interessante, mas é importante nunca largá-lo de vez. É preciso acompanhá-lo em cada passo. Dar opiniões a ele e mostrar que há de ter um final, mesmo que este final seja a porta para um novo começo em um novo conto.

Esta é uma outra regra que sigo por analogia, quase um hábeas corpus literário, eu diria. Deixo o personagem livre, se assim ele quer, mas sempre e sempre mostro a ele que há leis a serem seguidas. Então, em virtude de lei, posso prender meu personagem um pouquinho até que ele entre com pedido de hábeas corpus e saia livre para, lá na frente, eu fisgá-lo novamente. É uma boa caçada, embora minha intenção não é macular o personagem, apenas determinar alguns poucos limites para que eu não o perca num monte de papel repleto de letras sem fim.

Então, por vezes o “por que” se modifica no desenrolar da escrita e acredito que essa seja uma das grandes maravilhas do escrever.

Saber que NÃO se tem o comando total é um grande desafio e eu adoro desafios.

Paula Cury

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