ALMOÇO GALEGO
Há quase vinte anos não via minha tia galega.
Decidi revê-la depois de um evento oficial importante da vida.
Fui acompanhando de uma mulher...
Quase vinte anos...
Ali passei dias da infância, entre pés de jambo, coelhos, pintos, o grande cão negro e o cheiro próspero e próprio da Espanha, com sua "ignorância e sua intolerância", como diz o Almodovar em "o matador" sobre os espanhóis. Lembro-me que tudo que minha tia dizia ou berrava era quase uma "ordem religiosa".
Minha tia praticamente já me esperava na varanda, com o eterno ar imponente. Mal viu-me e começou a falar mal de meu pai, que era um camponês mal-educado, enquanto ela foi uma moça educada na cidade. Eu, minha prima e a mulher escutávamos em silêncio.
Discorreu assim por quase meia hora, dizendo também que meu outro tio galego ganha duas aposentadorias na Espanha, se aproveitando do governo. Eu ouvia atento e sem interromper. Aquelas palavras eram sinceras, os impróprérios das tias espanholas são sagrados!
Terminando de falar dos irmãos, perguntou-me, como quem havia me contado uma história infantil:
— Você gosta de peixe?
— Gosto sim, Tia.
— Então vamos comer peixe.
A empregada providenciou o peixe, que em tudo parecia ter a medida da minha tia. O peixe simples repartido praticamente em fartas partes iguais, a mesa posta para quatro, o singelo refrigerante, a janela aberta para o vasto quintal e eu reencontrando quase vinte anos depois, minha vida galega. Foi o melhor peixe que comi na vida. Os ossos do meu pai estão devidamente gaurdados no jazigo da família.
Talvez passe outros vinte anos sem ver minah tia ou sequer a veja mais, já que ela já conta seus setenta anos, mas o que importa não é o tempo, e sim a qualidade do encontro. Minha tia é uma autêntica tia espanhola, com tudo que vem implícito nisso. Estranho amor, o nosso...
Marcelino Rodriguez