Ode à esperança

Como cronista do cotidiano, estava enrolada, mais uma vez, nesse cenário degradador que tem sido “nossos dias“, e achei que nada sobrava a não ser bater na mesma tecla: violência, corrupção, insanidade política e, por aí afora. Material não falta, não é? Pensei, caramba! É isso que sobra? Depois de alguns minutos de meditação olhei o meu umbigo e ninguém mais do que o meu umbigo fez com que encontrasse o tema da minha crônica que, aparentemente (eu disse aparentemente) pode parecer uma propaganda da minha peça que entrou em cartaz, no dia 6 de junho no Teatro Centro da Terra.

Faz três meses que habito o mundo do teatro e essa convivência fortaleceu-me sob muitos aspectos, considerando a minha ousadia como dramaturga de primeira viagem, fazer teatro no Brasil, sem patrocínio. Não tem sido fácil, mas posso garantir que com todas as dificuldades encontradas a peça está inteira. Penso,sem qualquer modéstia, que poderei provar que é possível fazer teatro, com pouco dinheiro e muita qualidade. Penso também que eu possa encorajar novos e desconhecidos dramaturgos.

Escrevi essa peça em 2000, com muito constrangimento mandei a peça para pessoas do meio para ouvir a opinião e foi em função de duas pessoas, fundamentalmente, que me atrevi a continuar. Leila Míccolis e Renata Pallottini, duas feras na dramaturgia. Precisei de praticamente 6 anos para tomar coragem e levar em frente esse meu projeto, por conta própria, já que ninguém acredita no novo dramaturgo. Não foram poucas as vezes que o mesmo patrocinador que disse que não tinha verba para minha peça, patrocinou peças de autores estrangeiros por serem conhecidos e não pela qualidade do texto, pois sequer se deu o trabalho de lê-lo.

Nestes três últimos meses de produção, além da experiência de ver minhas palavras tomarem vida, aprendi muito no mundo do teatro . Fundamentalmente, a solidariedade e  dedicação daqueles que diretamente contribuem para que o espetáculo possa ficar de pé: o Diretor, Elenco, Compositor, Fotógrafos, Figurinista, Design, etc. Todos trabalhando durante o dia e dedicando suas noites e madrugadas para ensaiar, criar, procurar apoiadores, usar de seus conhecimentos para me apresentarem pessoas, etc. etc. Sem pensar em retorno financeiro, apenas amor ao teatro, ao público, ao texto.

Sempre vivi nos bastidores do mundo financeiro, da grana, dos juros, dos interesses pessoais, do toma-lá-da-cá. Isso não existe neste mundo que hoje tenho o privilégio de conviver. É evidente que todos precisam comer, mas, dinheiro, é a última coisa que é levada em consideração. Se não tem dinheiro pro táxi, chegam de metrô, ônibus, enfrentando o tráfego de Sampa. E não reclamam do tráfego, apenas se desculpam, eventualmente, pelo atraso. Se não tem jantar, comem bolachas, mortadela, qualquer coisa, com alegria e entusiasmo, ensaiando exaustivamente.

Muito mais do que o prazer de ver minhas palavras com vida, muito mais do que isso, esta convivência com pessoas que vivem pela e para a arte me tornaram um ser humano melhor, pois aquela esperança teimosa que habitava magrinha na minha alma, tomou vitaminas, está engordando (temo até que fique obesa). Esperança não ligada ao sucesso ou não do projeto que hoje levo a cabo, mas uma outra esperança (muito mais profunda), a esperança no ser humano. E pensando nessas pessoas e neste caos que convivemos, comparo-as a FLOR DO LOTO.

E assim surgiu a FLOR DO LOTO símbolo sagrada da união de Deus com a Humanidade (citação do Professor Assuramaya).

Sandra Falcone

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