Não Paulo

              A rua sempre foi meu quintal preferido. De certa forma os garotos do interior têm muito em comum com os índios. Não que eles andem pelados pela cidade, mas - fora isso - são tão bichos do mato quanto os Chavantes.

              A primeira vez que ouvi o nome São Paulo foi da boca do meu vizinho (por coincidência seu nome era Paulo). Ele havia nascido na Paulicéia e depois se mudou para o interior. Certa vez lhe pedi para falar um pouco de sua cidade natal. Ele sorriu e me disse que lá deveria se chamar "Não Paulo", afinal o que ele ouvia o dia inteiro era: "Não, Paulo, não pode sair na rua", "Não, Paulo, não pode andar sozinho", "Não, Paulo, não pode sair descalço", "Não, Paulo..."

              Pois bem, mudar do interior para Não Paulo não estava nos meus planos. Se alguém me perguntasse "Você quer mudar para lá?", é claro que minha resposta seria uma palavra simples, de três letras, com N no começo e O no fim. Mas o fato é que ninguém me perguntou.

              Minha irmã passou no vestibular (em São Paulo). Meu pai arranjou um emprego (em São Paulo). Minha mãe tinha planos (em São Paulo). E eu? Ora, eu simplesmente não tinha uma mesada gorda suficiente para me manter a mais de 400 quilômetros de distância da carteira de meu pai.

              Vir para São Paulo trabalhar e fazer fama é muito diferente de vir para São Paulo passar a infância. Caetano Veloso que me desculpe, mas até hoje não encontrei criança alguma que realmente se importasse com a poesia concreta das esquinas. Acho que elas preferem mesmo é a terra, por mais distante o errante navegante...

Marcelo Ferrari

Do livro: Manga com Leite, Ed. autor, 1998, SP

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