A MORTE DE ELPENOR
Os bordéis de Maceió iluminam a minha adolescência.
Consiero um dos maiores privilégios de minha vida ter sido admintido neles numa idade juvenil. Era à tarde que eu os freqüentava, e chegava quase sempre no instante em que as putas, recém-saídas do banho, se debruçavam castamente nas varandas diante do mar e contemplavam os navios. Ao cheiro de jasmin evolado de seus corpos morenos se misturava a maresia embriagadora.
Num desses prostíbulos, situados no andar superior de velhos sobrados que também abrigavam armazéns de açúcar e bodegas de fundos escurecidos, ocorreu a morte de um marinheiro, um certo Elpenor.
Ao contrário do que diz Homero, Elpenor não caiu do teto do palácio de Circe. Completamente bêbado, rolou pela escada do bordel de Maceió e quebrou o pescoço. Sua alma baixou ao Hades.
Esse lamentável acidente me privou, naquela tarde, do prazer habitual de respirar, junto às putas da minha cidade, o cheiro de jasmin que se casava, como um doce e longo coito regido pelo mormaço, a todos os perfimes do Oceano.
Lêdo Ivo
Do livro: "Mar Oceano (1983 - 1987), in Poesia Completa 1940 - 2004, Topbooks, 2004, RJ