VIVER PERIGOSAMENTE
Botei minha adolescência na cacunda e embarquei para Trindade, porque era festa do Divino e eu, como um campineiro metido a galã, não podia perder a oportunidade de passear pelo Beco dos Aflitos, acotovelar-me encostando nas meninas e sentir a vida na plenitude de suas oferendas. No dedo médio da mão direita, o anel de prata, achatado, contendo o nome de minha namoradinha, presente pelos constantes momentos de paixão. Ali mesmo, na Praça Joaquim Lúcio, embarquei no ônibus cheio de romeiros e pronto para enfrentar os trancos e solavancos da viagem, numa procissão interminável de veículos que iam bebendo e mastigando a poeira pela estrada da fé.
A viagem era cansativa, mas valia a pena. Trindade, acotovelada nas ruas, era invadida por milhares de pessoas que vinham de todo canto, muitos pagando uma bênção recebida, outros, como eu, com os olhos espichados nas novidades das ruas, das barracas, das casas de espetáculos, tomando guaraná aqui, comendo uma maçã ali, olhando as bancas carregadas de roupas feitas, bonitas, paletós modernos, calças engomadas. Tudo isso enchia os olhos do adolescente que tinha sexo na cabeça e muita vaidade no corpo. E como eu perambulava! Andava o dia todo, vendo a cara dos romeiros com o seu olhar ingênio, triste, religioso. Mas o que me encantava mesmo era as romeiras-rameiras, ali naqueles cabarés improvisados nos ranchões de folha de bacuri, com o piso carregado de palha de arroz. Eu chegava, olhava as mulheres dançando, buscando pessoas importantes, endinheiradas. Quem se habilitaria a engraçar-se com um moço pobre, sem dinheiro, sem lenço e sem documento: O olhar de Mariinha veio em cheio. Topou. Mas Mariinha estava ali a passeio. Visitava uma amiga. Naquela mesma tarde iria retornar a Campinas, onde morava. Marcamos a volta juntos. E viemos, agarradinhos, na poltrona do ônibus. Da Praça Joaquim Lúcio fomos direto para a sua casa, um bordel na Av. Amazonas. Eu jogava no juvenil do Atlégico. Mariinha jogava no time das mulheres que se perdiam insaciáveis nos lençóis do prazer. Entramos. O quarto simples, a cama de casal, o espelho, uma jarra d'água e uma bacia, e um retrato de político na parede. Após os estertores do gozo, procurei a porta da saída, mas Mariinha foi incisiva:
— Não vai me pagar não?
— Pagar o quê? Eu não tenho dinheiro.
A mulher enfureceu, trancou a porta do quarto pegou uma navalha e veio para o meu lado afirmando:
— Mão-de-vaca por cima de mim não, seu bicão!
Tremi nas bases. Sem dinheiro, sem relógio, sem correntinha para garantir a dívida, lembrei-me do anelzinho da namorada, o único bem que eu possuía. Mas a rameira foi mais espera:
— Me dá esse anel aí.
Tirei o anel do dedo, entreguei a ela, que não se contentou e ameaçou com a navalha, dizendo que queria mais coisas.
Pressionado naquele beco dos aflitos, saltei a janela e corri, ouvindo os gritos enfurecidos da mulher que chamava por Baiano, o seu fiel guarda-costas. No dedo, a ausência do anelzinho e na cabeça a emoção de viver perigosamente.
José Mendonça Teles
Do livro: Crônicas da Campininha, Ed. Kelps, 1996, GO