JORGE AMADO
A primeira vez que encontrei Jorge Amado foi há dez anos atrás, em casa de Roseane Sarney, e ele foi logo dizendo: "Li Sobral de Meu Tempo e gostei. O James também". E acrescentou: "Ali tem material para quatro a cinco romances." Ante surpresatão rude nem sei como pude digo, repetindo a saudosa Isaurinha Garcia. Refeito perguntei-lhe se podia repetir o que havia dito à minha mulher, para ela, depois, não atribuir a gabolice ao scotch. Gentilmente, ele o fez. O pior é que peguei a corda. Debrucei-me sobre a saga da terrinha e tentei desvendar os mistérios que ele pressentia em meu livro, como o escultor os advinha no mármore bruto. Gastei um tempão. Afinal o concluí e não sei mesmo se produzi obra de ficção, coleção de "causos" que gosto de contar, ou uma crônica. Pensei em batizá-lo como Vida, Paixão e Morte de Etelvino Soares. Cláudio Castelo achou o título bombástico, pretensioso. Mudei para A Pata do Murzelo. Por quê: Eu mesmo não sei. Espero que os leitores o descubram. Tudo, tudo foi culpa de Jorge que me deu estímulo. Não deu, porém, nem podia dar, sua mão de mestre. Já imaginaram minhas estórias contadas por ele? Reencontrei-o na rive gauche. Mais de uma década depois continua gentil com os novos, e ainda está mais famoso. Um cara destes, feito Balzac, é uma espécie de plagiário de Deus porque cria mundo e povoa.
Seus personagens se multiplicaram nos sessentas idiomas em que sua obra foi traduzida para alegria de franceses, checos, árabes, chineses, japoneses. Do planeta inteiro. Ainda há pouco, dois de seus livros, Navegação de Cabotagem e A Descoberta da América pelos Turcos foram publicados na Espanha. Dia 24 (***) Jorge recebe, na Itália, o prêmio "Brancati", e dia 4, em Lisboa, com a presença dos presidentes Fernando Henrique Cardoso e Mário Soares, o "Camões". Assim, aos oitenta e lá vai pedra, continua na crista da onda, se deslocando do País, para receber homenagens, colhendo o que plantou. E com os planos de se esconder, no segundo semestre, para produzir mais um romance.
Sua Zélia Gattai por sua vez, também não pára. Nem sai da moda. Acaba de pôr o ponto final em nova obra de ficção Crônica da Namorada de que fala, com modéstia: "pode ser que ninguém goste. Eu, porém, gostei muito de escrever". Ela me conta a vez em que esteve, no interior do Ceará, na década de quarenta, acompanhando Jorge, na propaganda dos candidatos comunistas, hóspedes de um deles, o cirurgião Pontes Neto e como foram escorraçados duma pequena cidade. Lembra, bem-humorada, que no tumulto havido, chegou a levar um soco da mulher do prefeito. Eles, num gesto de boa vontade, esperaram o fianl da novena para realizar o comício. Deram-se mal. Porque, na igreja, o padre alemão aproveitou sua fala para incitar a multidão contra "os enviados de Satanás".
Jorge, por sua vez, recorda, com entretenimento e admiração, Moreira Campos, há pouco falecido, acrescentando: "O Graciliano gostava muito dos contos dele". Como ia dizer: sou um felizardo. Jorge Amado me pagou o rango (e pra Raguel) num restô oriental da Rue du Sommerard que freqüenta há quatro gerações de chinois, desde os tempos de seu exílio após a cassação do mandato de deputado, combatente da liberdade e da justiça social que sempre foi. Saí dali mais deslumbrado do que habitualmente, por haver merecido a honra da companhia de um escritor que, há sessenta anos, é glorioso nas letras da Oropa, França e Bahia e pedi à Providência o conserve por muito, muito tempo, para que nos conte mais estórias que só ele sabe contar como ninguém neste mundo de meu Deus.
Lustosa da Costa
(***) Texto escrito em 1995 e publicado no livro "Ao Cair da Tarde" Ed. ABC, 2006, RJ/SP/Fortaleza, enviado pelo autor