“A decisão é soberana”. Perdi mais de cinqüenta paus autenticando, xerocando a documentação exigida para a participação da Bolsa de Estímulo à Criação Literária oferecida pela FUNARTE. Para quê? Isso ainda está sem resposta, porque se queriam premiar o Luiz Arthur Toríbio, não precisavam colocar em cheque o processo de seleção dos projetos, era só pedir que nós, os concorrentes, estaríamos de pleno acordo, porque já sabíamos dos serviços prestados por ele como ex-chefe da Assessoria de Comunicação Social do Minc. Mas como ninguém perguntou, criou-se este mal-estar, e, mesmo este senhor não conhecendo o júri, não me conhecendo e a nenhum dos outros concorrentes de todo o país, acabou por levar o descrédito às instâncias da cultura, reforçando a tese de clientelismo, nepotismo e favorecimentos que os democratas e indivíduos ditos saudáveis politicamente dizem não existir, acusando de neurótico àqueles que se posicionam desta maneira, pleiteando internação, camisa de força e choque elétrico.
Um mês antes a hipótese de ser uma furada, sem direito a recorrer, estava sendo conversada com Delfin que me acalmou os nervos, convencendo-me de que a crença nas instituições é uma fé pública que o homem brasileiro deve demonstrar até que se prove o contrário. Portanto, não esperamos tanto para decretar a falência destas instituições que precisam ser saneadas, libertadas da canalhocracia.
Tudo vale a pena se a alma não é pequena? Às favas! Os otimistas vêem na aparição de um ou outro nome na listagem divulgada a chance de defender a idoneidade do concurso, etc e tal. Eu não penso assim. Volto a dizer, se queriam fazer marmelada, circo, pelo menos poderiam ter pedido permissão, democratizado nossa participação nessa farsa, caberia a cada um de nós concorrente a decisão por desfilar ou não no bloco da amargura que está se tornando este país sem transparência em seus critérios, acostumado a negligenciar, omitir, usurpar, roubar, enxovalhar o pavilhão nacional como a máxima aos amigos tudo e aos inimigos...
Por favor, me respondam como podem ter avaliado tão rápido? Quando entreguei meu projeto na sede da FUNARTE não havia um funcionário para atendimento às nove horas da manhã. Tive que aguardar quarenta minutos para ser atendido. Neste ínterim decidi ir ao protocolo, sexto andar, lá não estavam permitidos a receber. Os minutos se passavam, meu horário de entrada no trabalho às dez horas me preocupando, fui então à sala da presidência também recebi a negativa, não poderiam se responsabilizar pela entrega do projeto. Então diante desta eficiência, procuro entender como pelo menos quinhentos projetos foram lidos do período do dia 10 deste mês até o dia 13? A equipe deveria estar realmente compenetrada em dar o resultado.
A soberania da decisão deveria restituir o dinheiro gasto dos concorrentes com o envio, xerox e autenticações. Deveria ter realizado um plebiscito com os inscritos para autorizarmos ou não a falcatrua, dar-nos a ilusão democrática como foi feito com alguns ministros envolvidos com mensalinhos nos salões do planalto. Por que nesta altura do campeonato, se eu fosse consultado, e me contassem uma história qualquer para me convencer, desde que triste o bastante, eu aceitaria numa boa com uma exigência apenas, a candidatura do ganhador de Brasília à Academia Brasileira de Letras, não menos. E um dinheirinho, se possível, para a passagem dos moradores distantes desta capital para aplaudirem a posse.
Mariel Reis
Postado por Mariel Reis às 07:34 no Blog Cativeiro Amoroso Doméstico.
Fonte:
http://cativeiroamoroedomestico.blogspot.com/2007/12/bolsa-funartecortada-gilete.html
A bolsa Funarte de criação literária tem sido alvo de protestos em blogs e sites de literatura devido ao curtíssimo tempo de que os jurados dispuseram para avaliar os projetos inscritos. Foram três dias de trabalho, desde o fim das inscrições no dia 10 até a decisão no dia 12, para que os cinco integrantes do júri escolhessem os dez melhores projetos de livros entre os 484 enviados (a Funarte recebeu 495, mas 11 foram desclassificados por inadequação antes de serem repassados aos jurados). O Globo procurou os jurados para saber como havia sido o trabalho de seleção. Numa resposta conjunta, os jurados - Christina Ramalho, Frederico Barbosa, Fabrício Carpinejar, Gabriel Arcanjo de Albuquerque e Sylvia Helena Cyntrão - garantem que todas candidaturas foram avaliadas, e que para tanto ficaram praticamente enclausurados num hotel. Eles comentam ainda a inclusão entre os premiados de um ex-assessor do Ministério da Cultura (ao qual a Funarte é subordinada), Luiz Arthur Toríbio. A reportagem sobre a controvérsia sai na página 2 do Segundo Caderno de domingo.
Em mensagens separadas, reproduzidas abaixo da resposta coletiva, Sylvia Helena Cyntrão e Frederico Barbosa comentam o fato de conhecerem alguns dos premiados. Sylvia já participou de um recital com Jason Tércio, e convidou Luiz Arthur Toríbio a dar aula num de seus cursos na UnB. Barbosa organizou um livro com Claudio Alexandre de Barros Teixeira, poeta que assina seus textos como Claudio Daniel. Juntos, eles lançaram em 2002 uma antologia de poesia contemporânea intitulada "Na virada do século" (Landy).
Resposta dos jurados
Caro Miguel,
Em primeiro lugar, queremos elogiar seu procedimento ético de fazer o contato para nos dar a oportunidade de explicar como trabalhamos. Estamos lidando com verbas públicas e portanto fazemos questão de que tudo seja feito com muita transparência e completa lisura. Tivemos realmente um acúmulo de trabalho enorme nos dias em que permanecemos praticamente trancados em um hotel do Rio de Janeiro trabalhando mais de 12 horas por dia para avaliar os 484 projetos que a FUNARTE recebeu na nossa área. O trabalho foi feito nos dias 10, 11 e 12, de forma bastante organizada, com participação incansável de todos. Dividimos as propostas por região e discutimos a seleção da seguinte forma: cada um dos cinco lia todas as propostas e selecionava as escolhidas. Comparávamos as escolhas e definíamos como selecionadas do grupo as propostas escolhidas por no mínimo três de nós. É importante considerar que lemos "projetos" e não obras. Muitos, entre esses 484 projetos, eram descartados já pelo tratamento rudimentar da linguagem. Outros revelavam evidente inadequação ao edital, solicitando, por exemplo, apoio a projetos de pesquisa. No primeiro dia, trabalhando das 8 às 21 horas, lemos duzentos e poucos trabalhos. A seleção voltou a acontecer no dia 11, obedecendo ao mesmo procedimento. No dia 12, trabalhamos até a avaliação do último malote recebido, quando demos início à comparação dos selecionados por região, momento em que tivemos a grata satisfação de percebermos que, apesar de termos, às vezes, pensamentos discrepantes, a opção pelo voto decisivo gerado a partir da maioria (3) e uma prática muito franca de diálogo fez com que chegássemos sempre a resoluções consensuais, o que nos demonstrou que realizamos um trabalho bastante coerente.
Quanto ao contemplado em questão, sequer foi mencionada a atuação passada de Toribio no MinC. Para nós, o que importou, em termos de currículo dos candidatos, foram seus vínculos com a cultura brasileira, sua contribuição como autor e a qualidade da obra já existente (quando houvesse, já que também há premiados pouco conhecidos). O Luis Turiba (como é mais conhecido o poeta) tem uma longa trajetória de ação cultural que antecede e supera em muito a sua efêmera passagem pelo Minc.
Estamos seguros de que o resultado a que chegamos neste concurso foi fruto de um trabalho sério, que envolveu um debate intenso e honesto. Todos saímos com a sensação do dever cumprido, e, embora o trabalho tenha sido extremamente árduo, não foi o cansaço a marca mais forte no momento da conclusão, mas a alegria de termos feito um exercício sério de leitura atenta e de capacidade de diálogo para efetuar escolhas unânimes apesar de todas as diferenças de opinião que nos caracterizam.
A FUNARTE foi integralmente imparcial durante todo o processo. Jamais houve alusão a qualquer nome, a qualquer "filosofia" que pudesse permear a concepção do prêmio. Não podemos deixar que as críticas destrutivas (que sempre ocorrerão) venham diminuir o impacto positivo que certamente a bolsa da FUNARTE terá para a cultura brasileira. Basta se contemplar a relação de ganhadores para se verificar como, no final do processo, houve espaço tanto para homens quanto para mulheres, para a prosa e para a poesia, para os já célebres e os ainda desconhecidos.
Agradecemos ao jornal "O Globo" pela oportunidade de expor nosso método de trabalho e reafirmar nosso compromisso de profissionais atuantes na cultura e na universidade que procuraram, com nossa participação neste júri, dar uma modesta contribuição para o incremento da produção literária brasileira.
Christina Ramalho, Frederico Barbosa, Fabrício Carpinejar, Gabriel Arcanjo de Albuquerque e Sylvia Helena Cyntrão
**********
Resposta de Sylvia Cyntrão:
Não sabia que Luís Turiba estava concorrendo, mas, mesmo que soubesse, não me sentiria absolutamente impedida. Como pesquisadora e professora da UnB já tive muitos poetas convidados falando com meus alunos, pois promovo a interação dos artistas estudados com a teoria da literatura. Em Brasília estou presente a todos os recitais e eventos ligados a literatura sempre que possível,pois é meu trabalho. Tenho boas relações com inúmeros artistas, não somente com os poetas,e um currículo que, imodestamente, atesta uma trajetória responsável e consciente. Fique à vontade, pois é público, para consultar meu currículo Lattes.
Assim sendo, repudio qualquer dúvida que se levante sobre minha participação na referida comissão e minha honestidade intelectual e profissional.
*********
Resposta de Frederico Barbosa
O Claudio Daniel tem um currículo invejável e é um dos maiores divulgadores e estimuladores da poesia de qualidade no Brasil hoje. Ele tem promovido o intercâmbio poético entre inúmeros poetas de todas as regiões do país, de Portugal, dos países africanos de expressão portuguesa e da américa-latina.
Já que eu também tenho trabalhado muito para a divulgação da poesia nos últimos 20 anos, não seria de estranhar que nossos trabalhos se cruzassem sempre. Em 2002 publicamos um antologia da poesia contemporânea brasileira que envolve 46 poetas de hoje. Antes de fazer este trabalho sequer nos conhecíamos. Portanto, foi a luta pela divulgação da poesia que nos aproximou, assim como de muitos dos poetas que estavam concorrendo à bolsa.
Na minha posição, posso dizer que dificilmente há poetas significativos nesse país hoje que eu não conheça. Assim, seria difícil os escolhidos não terem algum tipo de relação comigo ou também com o Fabrício Carpinejar, pois estamos batalhando muito pela poesia e acabamos conhecendo quase todo mundo que milita nesta "estreita praia da poesia", como diz o meu (também) amigo Ulisses Tavares.
O projeto do Claudio Daniel é excelente (desconheço quem possa argumentar com segurança contra a obra rigorosa desse poeta) e seu currículo é praticamente insuperável no Brasil de hoje. Concluindo, poderia afirmar que as virtudes de Claudio Daniel são amplamente conhecidas no país e que o fato de termos organizado uma antologia em conjunto não o poderia desqualificar, mesmo porque também fiz trabalhos com vários outros escritores que estavam concorrendo à bolsa e não foram contemplados.