SOBRE SARAMAGO

Lustosa da Costa e Saramago
Encontro de Lustosa com Saramago, em final de junho de 1987, à porta da Varina da Madragoa, restaurante onde ele almoçava.
© Foto de Lustosa da Costa

Quando li “Memorial do Convento” em fins de 1985, deslumbrei-me. Fiquei macaco de auditório de José Saramago. Não sosseguei enquanto não o conheci. Numa ida a Lisboa, em julho de 1986, acorri ao restaurante Varina da Madragoa onde sabia que o grande romancista almoçava. Pedi ao garçom me avisasse de sua chegada. Fiquei esperando. Nada. Até que interpelei o serviçal:
“Cadê o homem?” Ele me apontou cavalheiro alto, magro, elegante que comia, sozinho, em sua mesa: “É aquele gajo acolá”. Vejam leitores, um dos maiores escritores do mundo, o futuro Nobel da literatura, era, aos olhos do serviçal, um freguês a mais, diferençado dos outros talvez apenas pelo tamanho, maior ou menor da gorjeta. Pois bem, invadi sua privacidade, falei do impacto que sofri ao ler seu livro e o convidei a vir à minha casa. Por duas vezes, deu-me a honra de jantar conosco, aqui em Brasilia,  na 105 Sul, eu, sempre atento às frases imortais que perpetrasse e nada. Gostou de sorver o “Porca de Murça” (“sendo portug,uês pode ser não seja falsificado”, observou) e reclamou da pouca venda de seus livros,no Brasil .
Quando lhe falei que fico muito inseguro em Roma, replicou: “Pior é aqui”. E contou de como, numa de suas primeiras viagens a S. Paulo, ao sair do hotel, foi assaltado por um vadio que, inesperada e violentamente, lhe enfiou a mão no bolso, rasgou-o e dele tirou o dinheiro que ali guardava. Tudo isto em fração de segundos. Só disto,  pobre colheita, me lembro.
Noutra feita, fui a Lisboa e ele nos levou a jantar no Cafe Versailles.
Isto antes de ser agraciado com o Prêmio Nobel de Literatura.
Tenho muito cuidado em não usar o santo nome das pessoas em vão. De me gabar da amizade de olimpianos, de gente tao importante quanto o saudoso escritor luso. Qual não foi minha alegria ao encontrar, nas páginas do Caderno de Lanzarote, referência simpática ao jantar na casa de velhos amigos, eu e minha mulher.
Ele partiu, deixando livros imortais. E uma lição de coerencia e de generosidade que jamais podera ser esquecida. José Saramago honrava o gênero humano.            

Lustosa da Costa

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