DESENCONTRO DE FERNANDO E NERUDA

           Quem diria que Fernando Sabino, celebradíssimo autor de “ O Encontro Marcado” teria um desencontro marcado com Pablo Neruda?
         Já contei tantas estórias de Fernando, que seu filho Bernardo me chamou para contar “causos e coisas” deste memorável amigo em homenagens que lhe estão  sendo prestadas em Betim e outras sesmarias mineiras.
           Aqui me deu vontade de contar uma estorinha que não é minha.  Quem a narra é Jurema Finamour no livro “Pablo e Dom Pablo”. Ela foi por  três vezes secretária do poeta chileno. E o que conta, como diriam os lusos, “ tem piada ” .
           Aconteceu que Fernando, casado com Helena, filha do Benedito Valares, havia se mudado para o Rio. Já era reconhecidamente um jovem e talentoso escritor. Estava enturmadissimo. E quando Neruda arribou aqui para compromissos politicos e literários achou por bem oferecer um almoço de gala para ele. Mas um almoço muito chique, embora para poucos amigos.
          No entanto,  antes  do compromisso  no apartamento  de Fernando, Neruda estava despreocupadamente no célebre Café Vermelhino, na rua Araújo Porto Alegre, se divertindo com um grupo de amigos que incluía Vinicíus de Morais, Drumnond, Barão de Itararé, Moacyr Werneck Egidio Squef, Otavio Dias Leite, Dalcidio Jurandir e outros.
          Lá pelas tantas, a secretária  interrompe uma vez mais as conversas e lembra a Neruda que ele tinha um compromisso na casa do jovem romancista. “— Casa de quem? ” ele indagava, alienado. E  pela undécima vez Jurema repetia: “— Na casa do Fernando Sabino”.
          Com aquele jeito de que o mundo estava à sua disposição,  o poeta, “com olhar de cão surrado” , atalhou: — “ Bueno, iremos todos!” .
           — “Não, Pablo, permita-me lembrá-lo que não fomos convidados. O jantar  é para  você e Délia”.
         Neruda fincou o pé: ou iriam todos ou ele não iria. Resultado: a horda de boêmios desembarcou no apartamento de Fernando. Diz a narradora: “ — A porta se abre num certo andar de Copacabana, um andar muito alto, e nela se desenha uma figura V.I.P., sumamente elegante … e desapontada. Paralizados diante de uma tal calamidade: o dono da casa, a rigor, gravata borboleta preta, casaco branco (espécie de summer); sua linda e jovem esposa com um vestido de coquetel  de tule (o midi de hoje); Paulo Mendes Campos a caráter. Todos rigorosamente bem postos, de unhas limpas e cabelos penteados” .
         Na hora em que começou a ser servida a comida, Neruda, comunista anárquico e seus imprevisto convivas precipitaram-se como um “ bando de gafanhotos ” sobre o leitão servido. Segundo a narradora, até Drummond perdeu os brios. Era uma batalha pantagruélica pela comida e bebida a que Fernando e mulher assistiam estarrecidos. No meio daquela calamidade, Fernando resolveu agir, não se sabe se para espantar os intrusos ou para externar sua indignação. Conta a crônica histórica daquela cena: “Foi quando F.S, p… da vida com aquela raça de vagabundos e  desmancha-prazeres, deu de tocar bateria furiosamente”. Alienado em relação às coisas, Neruda começou  a reclamar do barulho que o dono da casa fazia e que não lhe permitia conversar com os amigos.
         De repente, o futuro prêmio Nobel largando no meio  a festa que tumultuara, resolveu partir. E  lá se foi pelo calçadão de Copacabanal livre, leve e solto. Seguia, como diz a sua secretaria, “acompanhado daquele bando de gafanhotos prontos a levantar vôo para o que desse e viesse".

Affonso Romano de Sant'Anna

Reproduzido do blog do autor: http://www.affonsoromano.com.br/blog/

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