O hobby e o vício

Conheço muita gente que tem mania de colecionar objetos. Uns colecionam porque se divertem. Começaram sem querer, em uma viagem, e não pararam mais. Não têm compromissos nem neuras. Adquirem objetos novos quando dá. Outros são mais, como diria, tarados.  Colecionam com fúria, são ciumentos da coleção. São quase profissionais. Pertencem à modalidade “não pode pôr a mão”.  Vocês também devem conhecer gente assim.

Por exemplo, aficionados por caixinhas de fósforo de restaurantes, hotéis e motéis. Conheço vários desses.  Ou os apaixonados por pratinhos decorados. Em geral essa modalidade é praticada por quem viaja muito ao exterior. Há até alguns remanescentes dos famigerados colecionadores de canecas. Nas décadas de 60 e 70, com a febre das festas do chopp, eram mais comuns.

Pois eu mesmo gosto de colecionar. Meus objetos do desejo são cinzeiros de louça ou porcelana. É um hábito leve, sem contra-indicações. Não faço como alguns amigos colecionadores que tratam seus cacarecos como se fossem jóias. Para você ter uma idéia, eu uso a minha coleção. Por conta disso, e com a ajuda dedicada de faxineiras, empregadas e amigos bêbados,  tenho uma das poucas coleções do planeta com crescimento vegetativo negativo.

Não tenho cinzeiro com taxa de longevidade superior a dois anos. A única exceção é uma peça fundida em bronze que herdei do meu pai; um cinzeiro comemorativo da fundação de uma loja de A Exposição. Deve ter uns 40 anos de uso, no mínimo. E já que meus convivas não usam maçarico quando estão na minha casa, deve durar mais algumas décadas.

Sei lá de onde tirei essa idéia de colecionar cinzeiros. Deve ter origem na preguiça de comprá-los em loja, combinada com o conforto de só desejá-los depois de experimentá-los. Se o cigarro encaixa bem e fica parado no cinzeiro sem fazer aquela baba de nicotina, já começo a me interessar por ele.

Quem não me conhece pode ficar tranqüilo quando eu for visitar sua casa. Sou um colecionador civilizado que só se interessa por cinzeiros de estabelecimentos comerciais. E não pense que sou do tipo gatuno. Não roubo. Nunca roubo cinzeiros. Se gosto mesmo de um deles, peço ao gerente, ou ao garçom, ou à camareira. Dependendo do objeto da paixão até me disponho a pagar por ele.

Em alguns lugares, quando peço, parece que estou fazendo um convite para uma excursão a Marte. As pessoas ficam me olhando com cara de desconfiança, com aquele meio-sorriso de “tem sacanagem aí”. Em hotéis, especialmente, o olhar é de incredulidade. Dá para imaginar o pensamento do interlocutor: “Todo mundo rouba cinzeiro e ele está pedindo?! Deve ter meia dúzia escondida na mala dele”.

Concordo que tem muita gente safada que inclui no cerimonial de determinados hobbies roubar os objetos colecionáveis. Mas eu sou contrário a essa prática abjeta. Não sou ladrão. Prefiro pedir, até comprar. Quase sempre consigo o objeto de graça, que é anexado à minha coleção até a próxima quebra. E fico todo orgulhoso de ser assim.

O único incômodo é quando algum colecionador visita minha casa pela primeira vez. Acontece sempre a mesma coisa. É uma reação quase que automática. É só olhar o cinzeiro com logomarca de hotel ou restaurante, que o visitante sorri malicioso e pergunta em tom de cumplicidade: “Hehe! Você também rouba, é?”. Odeio esses viciados em objetos!

Maurício Cintrão

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