MILAGRES
Vinha eu e meus botões, de cabeça baixa pra não trumpicar nos calçamentos irregulares das obras da rua, inacabadas, esperando inauguração pras vésperas da eleição. Meu olho se deparou com algo brilhante, entre uma pedra solta e outra. Abaixei, cuidadosamente, escutando o crec do joelho sequelado, e pincei com os dedos uma medalhinha, dizeres apagados pelo tempo. Uma imagem sofrida, quase como se uma lágrima fosse descer a qualquer momento medalha abaixo.
Fiquei ali parada, como a idiota que vez por outra me toma o conteúdo, sem decidir se abrigava o bendito achado, ou o descartava no mesmo vão de pedra. Resolvi. Vai ter um lar! Abri minha correntinha, e no meio da rua mesmo, passei a medalha pelo fio, recoloquei a corrente, agora com mais um símbolo de alguma coisa incerta, ainda incompreensível.
E voltei a minha lenta caminhada, passos antes trôpegos, contados, com uma estranha e nova alegria no peito, como se alguém tivesse sopra do vida nova pra dentro dos pulmões tão debilitados, ar renovado, esperança nas batidas coordenadas deste coração emendado em tres pedaços.
E tem gente que nem acredita em milagres...
Elza Fraga