Muito louco, bicho!
A carta que mais amo no Tarô é o Louco. Ele é também o andarilho, o que não tem regras fixas, e permaneceu, até hoje, como o coringa — o que não se enquadra a nada e se adapta a tudo, a que muda o jogo.
No livro "Jung e o Tarô — uma jornada arquetípica", da Sallie Nichols, a epígrafe do capítulo sobre o Louco é um verso do William Blake —"Se o homem persistisse em sua loucura, tornar-se-ia sábio". Só que eu discordo da idéia de tornar-se sábio. A loucura em si é o caminho. O meio é a mensagem.
O louco tem a função do bobo da corte, mostra que o rei está nu. Mas como é muito desagradável este desnudamento, a sociedade estabelecida o veste com roupas de palhaço. Eis porque o humor pode ser tão corrosivo. É permitido a ele ser Louco. O Louco diz o que ninguém quer ouvir, faz o que ninguém se permite, vai onde outros tem medo de ir.
É o outro que nos rotula loucos. Somos o que somos, mais o que nos colocaram como sendo. Sem o outro talvez eu não fosse totalmente. Sei lá. Este negócio de acerto e erro acaba nos enredando. Se acerto, mas penso que erro, estou errada ou certa? Estou errada, porque penso que erro quando acerto. Mas estou certa porque acertei. Então errei em me achar errada.
Melhor deixar estes conceitos de lado. Não existe certo e errado em si, mas no contexto. Há um excelente conto russo — A conversão do diabo, de Andreiev — em que um diabo já velho e cansado tenta se converter ao catolicismo com a ajuda de um, inocente e também velho, pároco de aldeia. Os dois quase se matam porque é impossível explicar para a lógica racional do diabo as contradições da ética cristã. Tudo depende do contexto — matar, roubar, trair. Não há atiradores de pedra imunes ao erro.
Minha corda bamba é o paradoxo da loucura que se pensa desde sempre — manter controlado o delírio, enquadrá-la no racionalismo sem deixar que ele me manipule, entender meus demônios. Há uma lógica desagradável e implacável por trás da loucura. Talvez ela tenha me impedido de ser maior do que eu.
Ser racional é basicamente filtro. A loucura é a expansão da mente a um nível além do permitido para bem viver. O racional peneira o trigo e nos vende as lentilhas da realidade. Trocamos o paraíso pelo possível. Mas é o único jeito. A loucura é solitária.
O discurso do Louco é a não-linguagem. O discurso do Eu livre da realidade imposta. O Eu experimenta Eu e os Outros. O Louco talvez se aproxime do bebê que ainda não separou sujeito de objeto. O sentimento oceânico da expansão de consciência pode ser uma memória desta fase.
Enfim, tudo não precisa ser como sempre foi. Existem outras formas de perceber. Existe uma velha piada que diz: — O normal sabe que dois mais dois são quatro. O psicótico pensa que dois mais dois são cinco. O neurótico sabe que dois mais dois são quatro, mas é isto que ele não pode suportar.
A loucura pode ser nossa moeda para sobreviver num mundo sem sentido. Ou paga ou desce.
Maria Helena Bandeira