MEU VELHO AMIGO, O DESCONHECIDO
Meu olhar inquieto busca pontos ocultos no infinito, esquadrinhando ângulos improváveis, a procura de algum sinal. De algum lugar surgirá, a qualquer momento, alguma coisa que mudará esta situação, na qual, novamente, estou sem saída. Sem alternativas, nenhuma estratégia ou recurso para acionar, e isso é bem familiar: etapa terminal, o fim súbito. Fim de recursos, de processos, fim de vínculos, encerramento, liquidação total!
Como podem existir neste mundo pessoas que acreditam que isso existe: FIM? Eu mesma já morri três vezes, e não foi de modo subjetivo. Morri mesmo, primeiro aos 10 anos, sem oxigênio numa crise de coqueluche, sentada no vaso do banheiro de minha casa, nos braços de minha mãe. Não convém aqui relatos sobre o que ocorreu entre o momento de minha morte e o momento em que voltei dela, deitada na banheira, e quase matei do coração todos que estavam ali, já chorando a minha morte prematura. Também não tenho a intenção de relatar o que ocorreu nas outras duas vezes em que morri, mesmo porque esse assunto é adequado para conversar com aqueles que lá estavam e testemunharam o que aconteceu comigo. O ponto do meu assunto aqui é que: eu sei que o fim não existe. Depois de muito morrer, também vivi: desconstruções, perdas, rupturas de todo tipo, desconfiguração de ambientes e relacionamentos, desconexões, desligamentos, desagregações. Aqui estou eu novamente, em mais um encerramento de um trecho de minha vida.
Depois de um tempo aprendi a não resistir aos processos de encerramento e desconfiguração das coisas, fui aprendendo a não ter medo, nem sofrer mais pelos desligamentos e desconexões. A experiência foi me ensinando a já prever as novidades que sempre chegam em seguida, e o medo e sofrimento deram lugar à expectativa do que estaria por vir: o desconhecido. Passei a ter mais intimidade com o desconhecido, que antes trazia tanto desespero e dor, agora já não é assim, o desconhecido é para mim cada vez mais familiar, com seus renovos, suas novidades, sua imensa amplidão... não, não fui redundante: IMENSA AMPLIDÃO, mesmo. Nele não há limites.
O que se chama de fim é a experiência de entrar em contato com nossos próprios limites, como uma casca que nos envolve e nos prende. Começamos a ser pressionados contra essa casca e então tudo começa a se romper, a se desmanchar. Nesse momento nós só sofremos se não aceitamos nossas limitações, quando não queremos perceber o que ainda nos falta aprender, quando não queremos admitir nossas falhas. GAME OVER. Seu desempenho deixou a desejar e você não quer que o jogo acabe deixando você mal na fita. Só que, ainda assim, o jogo acaba. Se você cai no limbo da lamentação é porque não percebeu que, se a casca se rompeu, é porque você já está pronto, naquele estágio, e apto para começar uma nova etapa. Página em branco, sem referências, nada nas mãos, coração despido. Eis o desconhecido, meu velho amigo. É ele quem sempre me traz o que ainda não sei para aprender, o que ainda não enfrentei para me fortalecer, o que ainda não entendi para aprofundar minhas reflexões. Meu aliado, o desconhecido, com seus renovos. É por ele que espero com o coração aos saltos, a qualquer momento chegará e, com ele, estarei onde jamais estive e aprenderei coisas novas, que não sabia.
Meu olhar inquieto aguarda os seus sinais. De onde ele virá a qualquer instante, como uma porta, a me dar passagem para onde eu jamais estive, em situação com a qual nunca me deparei, para realizar coisas novas que ainda não sei fazer? Enquanto se rompem as ataduras, as cascas que ainda me prendem, meu coração bate forte, ansioso pelo desconhecido, que continuará sempre guiando meus passos pela vida, vida sempre nova, vida sempre linda...
Gilda Miranda