Realidade X Imaginação

Luciano é um jogador de sinuca fantástico, porém tímido. Jamais consegui ver suas grandes jogadas. As mesmas só ocorrem quando resolvo ir ao banheiro. Vou ao banheiro com uma dianteira de 30 pontos e a bola 4 como “bola da vez”. Quando retorno, a bola 6 é a “bola da vez” e ele está 7 pontos a minha frente. Incrível. Luciano relata com absoluta precisão todas as maravilhosas jogadas que executou na minha ausência, e que possibilitaram a sua virada espetacular no placar. Fico encantado ouvindo a narrativa das geniais tacadas que eu nunca consigo ver, tudo em virtude da minha humana necessidade de ir ao banheiro.
Se jogarmos sinuca durante uma noite toda e eu não for ao banheiro, ele não ganha uma. Mas, basta eu me demorar alguns minutos no lavatório, e o milagre acontece. Estranho é que o jogo que consigo ver nele não tem qualquer vestígio do jogo narrado por ele, ou seja, Luciano não se parece nada com Luciano. Os princípios lógicos de Aristóteles, de Identidade e de Não-Contradição, não valem no caso dele. Quando estou presente e vejo sua dificuldade em matar bolas que simplesmente estão implorando para cair, não consigo imaginar o exímio jogador que faz tacada com uso de efeitos, tabelas etc. E foi a partir daí que decidi colocar uma câmera escondida em minha casa, para poder filmar as tais jogadas no momento em que eu fosse ao banheiro.
Convidei-o para uma partida e executei meu truque. Depois de ganhar duas partidas, e estar ganhando mais uma, fui ao banheiro. O milagre se deu: retornei e já estava perdendo. Ele me narrou todo o ocorrido. Como sempre, fantástico. Mas desta vez, sem que ele soubesse, eu tinha tudo filmado, e poderia apreciar o talento do tímido amigo. Assim que nos despedimos corri para a filmadora como um doente aos braços de Jesus. Porém, uma das magias da narrativa é, na maioria das vezes, sua infinita superioridade sobre a realidade. Então, assistindo ao filme comecei a me questionar sobre a grandeza do imaginário mediante certas realidades. Lembrei-me de quando assisti ao filme Germinal, feito sobre a obra do escritor francês Émile Zola. Como tinha lido o livro centenas de vezes e já tinha criado todos os personagens em minha mente, fiquei arrasado com a versão do diretor Claude Berri. A minha versão era muito melhor que a dele. E foi exatamente o que aconteceu quando assisti a tal filmagem da sinuca. Luciano, o grande jogador que habitava meu imaginário, não merecia aquelas cenas terríveis.  Cenas chocantes, onde um sujeito corria desajeitado em volta da mesa colocando as bolas, com as mãos, dentro das caçapas. Eu precisava livrá-lo deste vexame. Apaguei tudo e fingi que nada tinha assistido. Apaguei e voltei ao passado, onde o mundo era muito mais glamouroso. Onde meu amigo Luciano era tão somente um gênio tímido da sinuca.
Hoje, jogo com muito mais tranquilidade contra meu talentoso amigo. E até invento umas idas ao banheiro. Tudo para não perder as fantásticas narrativas de suas jogadas.
A vida é realmente bela!

Osias Canuto

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