ESMAGAMENTO

Esmagado por vários fatores no mercado, o escritor brasileiro que queira levar a sua literatura a sério tem de, além disso, competir com gente que já ganhou fama em outras artes, e, quando bronqueia, é acusado de mesquinhez ou de querer uma impossível reserva de mercado, por assim dizer.
Ora, é simplesmente irreal não avaliar o quanto ele sai perdendo, pois
quem é conhecido em outras áreas (especialmente as fortes, música popular e tevê) não pode alegar ingenui dade ao pisar no mercado editorial - leva vantagem de cara - no mínimo, os fãs que conquistou em cada área respectiva terão curiosidade pelo livro. O que não acontece de modo algum com gente talentosa cujo brilho consiste apenas no talento que tem, e que pede esforços não automáticos dos leitores.
Verdade que um livro de Chico Buarque ou de Fernanda Torres pode ter méritos indiscutíveis, mas não escapará ao funil de uma crítica que terá que levar em conta, realisticamente, o fato de os autores serem famosos em outras áreas. Enquanto que o autor estritamente literário, com a bunda ao vento em se tratando de reforços, proteções e apoios extras, terá muito mais dificuldades (enormes, aliás) em ver seu livro chegar a esta mesma crítica e será julgado implacavelmente pelo que escreveu, podendo cair no buraco negro da indiferença total sem que ninguém nunca sequer suspeite do talento que poderia ter.
Acho que nenhum autor novo deve se iludir, com pressupostos ideológicos que a vida logo reduzirá a cacos, que a tribo editorial é isenta de hierarquias injustas, desigualdades e privilégios. As oportunidades são desiguais por toda parte, no mundo capitalista. E o mundo editorial não escapa dele.

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Gosto de ter amigos que se confessam otimistas, como Isa Fonseca, dentre outros aqui do Face. Mas eu, particularmente, oscilo muito. Sou bi ou tripolar, sei lá, mas vou da felicidade à depressão com muita rapidez. E não tenho uma visão otimista das coisas. O que piora ainda mais quando vejo noticiários de televisão e outros. A humanidade está um desânimo.
Como sempre digo e repito, sou salvo pela Arte. Mozart me faz crer que há algo de misteriosamente lindo neste mundo, nest a humanidade no mais das vezes tão atroz. Mas, nem preciso ir tão longe, porque Rita Lee também é um grande tônico pra mim. Ou os Beatles. Ou ver quadros de Matisse. Ou ver filmes (os bons) de Woody Allen. Ou ler os poemas de Quintana e Rilke.
Enfim, que fazer? Seguir vivendo. Mas, confesso que, sem as alegrias que meus amigos otimistas me dão e a Arte me proporciona, acho que seria difícil aguentar a barra.
Quando escrevo ficção ou poesia, aliás, estou longe de qualquer otimismo. Tanto que é comum que gente que leu meus livros e não me conheceu pessoalmente, ao me conhecer, achar descompasso entre o sujeito brincalhão que geralmente sou e os contos geralmente sofridos e sombrios que escrevo. O Eu da ficção nada tem a ver com o Eu social. Talvez seja mais verdadeiro, talvez não.Quem sabe? Bem, quem é que sabe alguma coisa essencial de verdade neste mundo? Só se pode apostar no mistério.

Chico Lopes

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