Madame Oskar e o galinheiro da vovó

                   A casa do vovô Manuel, que na realidade se chamava Mendel de batismo, era uma verdadeira casa portuguesa, com certeza: a arquitetura era típica portuguesa, os móveis eram manuelinos, as receitas da nossa alimentação do dia a dia eram da culinária portuguesa, e ai de quem dissesse que não éramos portugueses. Até eu pensava de uma forma confusa sobre isso, porque ouvia minha avó Rosa conversar com a mãe dela, a bisa Berta, em russo ou iídiche.
                    Meu avô saía para trabalhar, diariamente, de terno de linho branco e chapéu Panamá. Minha avó, além de cuidar da casa e de mim, que estudava em frente à casa deles — portanto almoçava lá e só ia para a casa de meus pais à noitinha — bordava. Vovó bordava as coisas mais lindas que se pode imaginar, ainda tenho uma belíssima toalha feita por ela.
                   Nos anos 1950, os judeus ainda tinham medo de serem reconhecidos; incrível e superverdade isso, apesar de ateus, sim, pois eram mencheviques quando ainda viviam em sua terra natal, Kiev, na Rússia.
                   Minha bisa tão amada, quando chegou ao Brasil, fugida de um  pogrom  em Kiev, perdeu o marido para uma doença desconhecida. Com três filhas pequenas, foi trabalhar na feira onde era respeitosamente chamada de Madame Oskar, que era o nome do falecido. Minha filha diz que dá um bom nome para uma casa noturna: "Madame Oskar".
                   A melhor coisa que me aconteceu foi ter nascido no Brasil: sou meio portuguesa na fantasia e meio russa na realidade.
                   Mas, afinal, a quem pode interessar uma coisa dessas?

Rosane Chonchol

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