"Comecei a escrever antes de aprender a escrever. Naquela época, fim dos anos 20, começo dos 30, depois das estripulias diárias, a criançada se reunia ora na frente da casa de um, ora na frente da casa de outro, e cada um relatava como é que tinha sido o seu dia. As correrias, as brigas. Hoje, nós brigávamos; amanhã, éramos grandes amigos. Então, eu cortava uma folha de papel-embrulho da loja de meu pai, recortava palavras ou letras, juntava alguns rascunhos meus. Linhas na horizontal, na vertical, em círculos. E lia aquilo pra eles. Lia não, porque eu não sabia ler. Inventava que estava lendo. Ali estava surgindo, ao mesmo tempo, o jornalista e o escritor. Então meu pai, me vendo grudado em tudo que era papel impresso, vendo aqueles signos mágicos me fascinarem, me perguntou: “O que pretendes fazer na vida?”. Sem titubear, respondi: “Ler e escrever”. Minha mãe, que era uma mulher sensível, disse: “Não vai ser fácil”. E meu pai: “Fácil não vai ser, mas se ele persistir, conseguirá”. Então, uma palavra que me acompanha toda a vida é 'persistir'.
Para falar a verdade, se eu tivesse uma formação acadêmica, gostaria de ter sido crítico e ensaísta. João Cabral dizia a mesma coisa. Mas acho que tive o bom senso de sempre escrever muito e rasgar mais do que publiquei. Rasguei muito mais do que publiquei. Tanto que, para os nossos padrões, pelo menos para os da minha juventude, comecei muito tarde. Passei a infância e a adolescência em Biguaçu — tanto que costumo dizer que sou um líbano-biguaçuense — e só comecei a publicar em Florianópolis. Nos anos 40, a capital catarinense tinha quatro jornais. Hoje, só tem um. (…) Ao mesmo tempo em que eu publicava algumas crônicas nos jornais, já começava a escrever o que chamo de “anotações sobre leituras”. De repente, me disse assim: “Já que estou fazendo crônicas — e a crônica é meio caminho para o conto —, por que não chego ao conto?”. Daí, comecei a publicar contos. Meu primeiro livro é de 1951. Chama-se Velhice e outros contos, pois sempre me preocupou o tema da velhice, da morte, do tempo e da memória. Devo esse livro ao IBGE. Não ganhei dinheiro trabalhando para o senso demográfico de 1950, mas cinco dos oito contos desse livro, inclusive os três Velhice — Velhice 1 , Velhice 2 e Velhice 3 —, resultaram de conversas com pessoas que fui recensear."
Salim Miguel
Depoimentos de Salim Miguel
Minuta (e envio) de Diego Mendes Sousa