DOM HÉLDER CÃMARA

Por duas vezes, estive na casa de Dom Hélder Câmara, na igrejinha da Rua das Fronteiras, no bairro do Dérbi, para encontrá-lo.
A primeira, numa noite de verão do ano de 1969, ao lado de dois amigos que estudavam comigo na Escola Técnica Federal de Pernambuco, que nessa época ainda funcionava no mesmo bairro, no prédio onde hoje funciona a Fundação Joaquim Nabuco, e que militavam comigo no Jubrapi (Juventude Unida de Brasília e Pina), grupo mantido pelos padres oblatos, que tanto combatiam à ditadura quanto apoiavam o povo na luta pela ocupação e posse da terra, naquele areal que se transformara numa das maiores favelas do Recife, naquele tempo. No Jubrapi, editávamos, no mimeógrafo, um jornaleco chamado Evolução, que tentava levar ao povo daquela comunidade um pouco de informação politicamente diferenciada, tentando burlar a censura que imperava na época. Talvez por ser um jornal de pequeníssimo alcance, passássemos despercebidos aos homens do poder e não fossemos importunados.
A nossa intenção era entrevistar o homem para publicar a entrevista no jornal. O arcebispo nos recebeu com a simplicidade e humildade que lhes eram peculiar. Mas, com o cenho carregado de preocupação, reclamou das investidas que sofria do temido Comando de Caça aos Comunistas, o qual chegara até mesmo, de madrugada, a metralhar as paredes da sua residência, uma saleta e um quarto simples no fundo da igreja. Afirmou, naquela ocasião, que tinha plena convicção de que, não fosse um homem conhecido em todo o mundo, já teria sido eliminado pelo regime de exceção. Marcamos um outro dia para retornar e fazer a entrevista e não mais voltamos. A situação se exacerbava com a edição do AI-5 e com o fechamento do Congresso Nacional, que aconteceria em outubro de 1969. Aquilo tudo, para três rapazes com pouco mais de 18 anos, era temerário. A entrevista terminou por não acontecer.
A segunda vez que tiver a oportunidade de estar com Dom Hélder Cãmara na sua casa, foi 20 anos depois, em 1989. O Dom havia completado 80 anos e o governador Miguel Arraes de Alencar, colocara uma placa alusiva ao fato no portão posterior de acesso aos cômodos que abrigavam o arcebispo. Desta vez, eu estava sozinho. Por telefone, havia acertado com a sua secretária, para fazer uma série de fotografias. Esperava levar um sonoro não, mas o convite foi aceito e me mandou para a Igreja das Fronteiras, municiado com a minha vela máquina Practika alemã. Fiz uma boa série de fotografias coloridas, às quais foram depois por mim doadas ao Departamento de Iconografia da Fundação Joaquim Nabuco. Imaginei que lá estariam guardadas com mais segurança. Depois, arrependi-me. Hoje, sinto falta dessas fotografias no meu acervo pessoal, embora acredite que estejam disponíveis para consulta, lá na Fundaj.
As fotografias acima, porém, foram feitas por mim no ano de 1991, na Universidade Federal Rural de Pernambuco, durante o seminário “Ano 2000 sem Fome”, promovido por Dom Hélder na sua incansável luta por justiça social. Devo admitir que me orgulho disso tudo.

Clóvis Campêlo

« Voltar