Estava eu a jantar em casa da minha filha, quando soube que vizinhos novos tinham vindo para a casa ao lado. Comi um belo jantar, cheia de fome que estava. Mas, a casa da minha filha não era a casa da minha filha, não a reconheci, pelo menos, como tal.
Então, para dar as boas vindas aos novos vizinhos, ataviei-me toda, coisa que não é muito hábito meu, e lá fui... Levava um colar de pérolas novo, cheio de voltas e reviravoltas e uns brincos , que não costumo usar e por isso não tinha mas que fui roubar a uma velha amiga, para condizer com o colar.
Era uma família simpática e, a mãe de todos eles, tinha feito um frango assado que cheirava pela vida...
Jantei outra vez, só para lhes agradar. Soube-me bem. A ave estava divinal ! E a fome, pelos vistos, era muita...
De repente, entrou essa amiga minha, cujo marido tinha tido uma paixão estranha por mim, arrancou-me os brincos e em altos berros, perante toda a gente, disse:
— Esta mulher, roubou-me o marido e os brincos... Portanto, não merece estar à vossa mesa!
Então eu tive um ataque de nervos e furiosa, arranquei o colar e disse-lhe:
— Toma! Leva o colar também! É meu ,é novo, mas dou-to...
As pérolas, arrancadas assim com tanta fúria, espalharam--se pelo chão, perdidas, espalhadas, rolando... Ficou tudo estupefacto e silencioso. Então...então, acordei!
Acordada, lembrei-me que há muito tempo não telefonava a saber desses amigos, entretida que andava com a literatura, a vida e eu própia. E, de imediato, telefonei.
Foi ele quem me atendeu o telefone. Continuava na sua cadeira de rodas, semi morto... Então eu perguntei:
— Como vai? Melhorzinho?.... Está a gostar da primavera? E ele disse, como sempre dissera:
— Estou à espera do verão, vcs estão longe, lá para os lados de Santarém, eu vou para o Algarve no verão de que estou à espera. Nunca mais vieram cá...
— Mas... eu só quis dar-lhe um cheirinho a primavera, porque sonhei de novo com vcs. Mas, compreendo, ninguém é capaz de sentir a primavera, quando está assim ,não é? E nós, realmente estamos longe...
E ele respondeu:
— É.
A voz dele, porque durante muito tempo estivera mudo mesmo, era ainda e como sempre será, trémula, indecisa, quase tumular. Olhei para fora e vi o sol, sem lentes escuras, e disse:
— Que tristeza... Está, verdadeiramente, morto!
E chorei, num choro copioso como o que só se chora por alguém que nos é, de há longa data muito querido e de repente se enxerga, realmente, morto!
Depois, vim para o computador, escrevi este texto e misturei o sonho
com a realidade, como é meu hábito. E trauteei um fado, baixinho:
Ai rosa branca, minha flor tão linda... que beleza a tua... que
desgraça a minha....
Maria Seixas