Hoje, 7 de maio, por volta das 7 horas da manhã, depois de cumprimentar
e trocar algumas mensagens, via Internet, com amigos, fui avisado que havia
alguém à porta que desejava falar com o dono da casa. Sem
maiores preocupações e, confesso, com um certo enfado dirigi-me
ao portão.
Tratava-se de um homem maltrapilho, razoavelmente sujo quanto à
aparência. Ele tinha consigo uma carroça, esta cheia de papéis,
jornais velhos e caixas desfeitas de papelão. Em suma, um catador
de papéis que queria falar comigo. Como já disse, meio enfadado
coloquei-me à disposição daquele estranho. Eu sequer
poderia imaginar, viciadamente sentado no alto da estratificação
social e econômica que nos separava, o que estava a caminho, o que
me surpreenderia a ponto de levar-me a um sincero marejar dos olhos.
"Bom dia", disse-me ele, "e queria que o senhor me desculpasse se estou
a incomodar". De imediato, chamou-me a atenção a ausência
da forma gerúndio neste "a incomodar".
"Pois não?", respondi-lhe apenas.
"Sabe o que é, Doutor?", disse, não havendo na palavra
doutor nenhuma ênfase que normalmente observamos quando dita por
pessoas mais humildes, acostumadas a sentirem-se menores. "Escrevi um livro
e estou distribuindo os convites da noite de lançamento. Gostaria
que todos os moradores das ruas por onde normalmente passo comparecessem.
Isto me daria mais prestígio e satisfação", completou,
entregando-me quatro convites simples, impressos em papel simples e com
programação visual simples.
Declaro ignorar a razão pela qual fiquei tentado a desvendar
um pouco mais sobre aquele homem maltrapilho que me dava convites para
o lançamento de um livro, que vim a saber de poesias, de sua autoria.
Mais, ignoro completamente a razão pela qual tirei cinco reais do
bolso e comprei um exemplar.
Capa azul, brochura, com o título "Desenganos" em letras itálicas
brancas. No centro, Wilson B. Miranda. No pé da capa, Edição
do Autor - Vitória - ES - 1999. Ele agradeceu, mas insistiu quanto
à minha presença na noite de autógrafos,
e se foi.
Fiquei por alguns instantes a observar o ir-se daquele homem de cerca
de 60 anos, magro, com um rosto bastante marcado, que agora me parecia,
em virtude do contato mais aproximado, da troca de cumprimentos e de meu
olfato, mais sujo que pensara.
Entrei em casa e pus-me a folhear o livro. Não direi, aqui,
o que senti. Passarei para vocês.
Tentativas
Tentei trancafiá-la
Com propósito de assédio
No entanto forças não tive.
Tentei roubá-la
Trazê-la para junto de mim
Quimeras inexistentes.
Num sorriso esquivo, fugiu,
Levando consigo uma coisa que
Nela nunca existiu: o amor por mim.
Minha dor foi aguda
Vã, minhas tentativas.
Lixo
Uma pobre mulher catava papéis acompanhada de seus dois filhos
Em um latão escolhia o aproveitável
Para a alimentação
Pensei:
Tantos alimentos atirados fora...
Olha-se o lixo com repugnância
Mas a mulher olhava-o com ansiedade.
Eu já havia visto cães procurando alimentos
Mas foi a primeira vez que vi homens sobre o lixo.
Famintos, ávidos.
Entristeci-me. Virei-lhes as costas.
Segui meu caminho.
Bêbado
Num dia de tristeza
Só, na incerteza, bebi até cair no chão.
Velhas beatas torceram o nariz
Risos ouvi
Entorpecido, ouvi palavras vãs.
Tentei levantar-me
Tornei a cair.
Adormeci.
Um vulto me envolveu com braços aveludados
Perdi-me nas curvas daquele corpo tentador.
Estremeci.
Foi um sonho.
Acordei, só.
Triste, mijado.
Transcreverei alguns trechos como garantia de que comparecerei à
noite de autógrafos e, em homenagem, estarei limpo, mas não
usarei sequer água de colônia ou loção após-barba.
José P. di Cavalcanti Jr.
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